Lopes Marcelo
UM “CASÃO” CHEIO DE INTERROGAÇÕES
A quem não chegaram os dedos das duas mãos para contar os casos e casinhos que foi enfrentando e sucessivamente desvalorizando, confronta-se agora o Primeiro Ministro António Costa com um casão que, para além da eventualidade da sua implicação, atinge o núcleo central do Governo. Tudo isto, quer por razões de ordem da actuação política, da credibilidade e da transparência, quer por razões de indícios criminais.
À primeira reacção de surpresa e de tristeza não deve seguir-se uma atitude de bloqueamento e, ou, de indiferença – o quotidiano encolher de ombros – e a fácil apreciação de que os políticos são todos iguais que representa falta de esperança e conduz ao vazio na participação cívica, designadamente à abstenção ao acto de votar. Não! A democracia não é compatível com maiorias silenciosas, nem com sentimentos de raiva ou retaliações que são terreno fértil para os populismos e a demagogia. Importa reflectir, interrogar e intervir numa atitude cada vez mais exigente sem dogmatismos ideológicos ou seguidismos partidários. A democracia, os valores democráticos devem traduzir-se na melhoria da vida concreta na nossa sociedade, de melhores condições de vida para todos. Neste sentido, partilho com os leitores um conjunto de interrogações.
1- As leis no Estado de direito democrático são de aplicação universal ou, quando convém, interpretam-se e moldam-se a casos e interesses concretos?
2 - As designadas pressões ou acções de lóbi que visam influenciar, mas não podem capturar, o poder político deveriam ser enquadradas e delimitadas na lei. Porque não foi legislado? Quem se opôs na Assembleia da Républica?
3 - Os projectos de investimento, nacionais ou estrangeiros, devem ser tratados com igualdade e isenção em função do mérito, ou há alguns mais iguais, mais interessantes, mais subsidiados e mais protegidos no embalo dos interesses?
4 - A mentalidade, as acções e decisões práticas dos políticos e dos gestores dos projectos não devem ser transparentes, à prova do contraditório? Parece que se nada se soubesse, estaria tudo bem para quem joga com interesses obscuros.
5 - No ordenamento do território, na utilização dos recursos naturais que são de todos, é aceitável que os gestores técnico-políticos (moeda de duas caras: técnica - a significar competência e isenção/altos vencimentos e, em alguns casos, a cara política das conveniências e dos interesses) deem pareceres e tomem decisões oportunistas e viciadas?
6 - E, para além do cumprimento da lei, não deviam sempre ser ouvidas as populações que vivem e moldaram o território em que se pretende realizar os projectos? Para quando os deputados eleitos por essas populações se assumirem como seus representantes e porta-vozes e não como números políticos de corpo presente na Assembleia da Républica apoiando sempre os chefes partidários?
7 - Como se pode entender que nos últimos anos tenham entrado no país centenas de milhares de imigrantes e por cá se mantenham trezentos mil de forma não documentada e sem contrato de trabalho? E não é só nas grandes cidades, são já visíveis na nossa cidade e região.
8 - Nas equipas de trabalho e, sobretudo nas instâncias de maior poder e responsabilidade, quem é o Chefe responsável pela escolha dos colaboradores directos e privilegiando o critério da confiança pessoal, só está lá para o êxito e quando tudo corre bem? Não assume a responsabilidade quando algo corre mal?
Na década de setenta do século passado verificou-se uma situação que muito me impressionou. O então Chanceler Alemão Willy Brandt surpreendeu o mundo com a decisão de se demitir porque um seu colaborador próximo falhou e deixou passar informação confidencial. O estadista assumiu prontamente a responsabilidade e demitiu-se sem lamentações. À minha condição de jovem na época, tal atitude impressionou-me favoravelmente e ajudou a acentuar a minha crença na democracia, na gestão democrática transparente e em políticos corajosos que não se julgam únicos e indispensáveis, manobrando e agarrando-se ao poder.