Edição nº 1833 - 28 de fevereiro de 2024

José d’Encarnação
TEIAS E PÓ

Inimigos maiores dos serviços de limpeza, as teias e o pó. Aquela abençoada aranhinha que logra escapulir-se-nos, semana após semana, e não há meio de a apanhar e ela teima a armar a teia ali. E aquelas poeiras desgraçadas a entrarem-nos pelas frinchas das janelas e a depositarem-se, todas contentes, nas estantes do escritório e na mesinha de cabeceira.
Teias e pó, sinónimos do tempo que passa.
Não foi sem alguma emoção que o nosso anfitrião, na visita àquelas caves da Rioja, nos apontou a zona das garrafas mais antigas, antigas de décadas, cobertas de pó e já nem sei se teias de aranha também teriam. Cresceu-nos água na boca, ao imaginar que precioso néctar guardariam!...
Diferente foi, porém, a reacção ao percorrer devagar, a 10 de Novembro, as ruas do centro histórico de Castelo Branco. Emoção, sim; não, porém, de um saboreio imaginado. «Francisco Tavares Proença Jr. Nesta Casa viveu o arqueólogo e fundador do Museu. Homenagem da XVIII Romagem de Saudade de antigos estudantes de Castelo Branco. No 1.º centenário do Museu”. Luzidia, a placa de granito acinzentado e polido; letras bem legíveis, a negro. A parede onde se afixou mui escafelada está, a denunciar abandono.
Escafelos, de resto, foi o que mais vi nestas estreitas ruas antigas, e placas «Vende-se», janelas e portas trancadas… Teias e pó. Um halo de enorme tristeza nessas artérias de ricas portadas quinhentistas. Porque não se vive aqui? Porque está tudo para venda? Porquê este abandono letal?
E dei comigo a entrar num palacete. Abriu-mo o descendente dos seus proprietários avoengos. Meio obscuro, foi preciso accionar os disjuntores para umas lâmpadas esparsas. Teias e pó. Móveis d’outrora me cumprimentaram em disfarçado sorriso. Panos tentam proteger preciosidades. Escadaria solene. Sabes, segredaram-me os degraus de mármore, sabes: temos saudades de vestidos roçagantes a subirem para o jantar de gala! Eu acreditei neles. No rodapé, a acompanhar-nos na subida, painéis de azulejos retratam cenas cortesãs e campestres, evocação de tempos idos. Mais azulejos ali, na sala grande, celebram as estações do ano. Assomei-me à janela que dava para o jardim das traseiras, por onde, agora, tudo crescia à vontade; uma cadelinha, cega duma vista, correu a saudar-nos…
Enormes interrogações e plangentes dúvidas me atormentaram os dias seguintes.
(Professor Catedrático da Universidade de Coimbra)

28/02/2024
 

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