João Carlos Antunes
O 25 de abril por quem o sonhou, viveu e contou
Em 1971, Maria Teresa Horta (1937) publicava Minha Senhora de Mim, um livro de poesia que a censura logo apelidou de pornográfica, ofensa à moral tradicional da nação e subversiva porque punha em causa o status quo do pensamento patriarcal. Obviamente que a edição foi imediatamente apreendida e destruída pela PIDE. Por esta obra, que não foi a primeira a ter chamado a atenção da polícia política, Maria Teresa Horta foi perseguida, insultada e foi até vítima de uma violenta agressão na rua, tão violenta que obrigou a internamento hospitalar. Os três homens que a agrediram disseram-lhe: “Isto é para aprenderes a não fazer aquilo que fazes”.
Todas as semanas, ela almoçava com as amigas Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, escritoras já falecidas. E desafiaram-se, que se isto aconteceu a quem escreveu um livro de poesia assim, o que seria se fosse uma obra escrita a três mãos… E se assim o pensaram, melhor o fizeram. Tendo consciência dos riscos que corriam, durante meses cada uma escreveu as narrativas ou poemas que questionavam a condição da mulher em Portugal, numa sociedade patriarcal e ultra conservadora. Quiseram também quebrar tabus sobre o corpo e a sexualidade feminina, em material escrito que discutiam e iam acrescentando à obra em construção, tendo desde logo decidido que nunca seria revelado a autora de cada texto. A publicação das Novas Cartas Portuguesas na editora Estudos Cor, aconteceu pela mão de Natália Correia, sua diretora literária. Foi publicado em 1972 e apreendido três dias depois pela PIDE-DGS que também as prendeu e levou a interrogatório, colocando-as numa sala com detidas por prática de prostituição. O que surpreendeu o regime, e o deixou desconfortável foi o movimento de solidariedade internacional, em especial em França e nos Estados Unidos, com mulheres intelectuais e feministas como Marguerite Duras, Simone de Beauvoir, Doris Lessing e Íris Murdoch, a manifestarem-se à porta das embaixadas de Portugal. O julgamento das três escritoras que ficaram conhecidas pelas Três Marias inicia-se em outubro de 1973 e estava marcada a sessão de leitura da sentença para 25 de abril de 1974. Aconteceu alguns dias depois, com a óbvia absolvição e aclamação.
A edição que apresento é de 1974, a primeira que pôde chegar a quem o quisesse ler em plena liberdade de informação e de expressão. Escolhi o livro para este espaço, como exemplo do País que tínhamos antes de abril de 74, onde a palavra PROIBIDO fazia parte do quotidiano português. Quando era proibido ler, ver ou ouvir tudo aquilo que não partilhava os ideais do regime ditatorial. Quando se vivia no terror de cair nas malhas da polícia política e se era julgado em tribunais plenários por delitos de opinião. Quando a mulher não podia sair do país ou exercer uma profissão, que não fosse a de doméstica, sem autorização escrita do marido. Quando a mulher não podia sair à noite, sozinha. Quando um casal de namorados não se podia beijar na rua. É bom que os saudosistas do 24 de abril e as novas gerações atraídas pelo canto das sereias do populismo o saibam e decidam se gostariam de viver num País assim, vigiado por mais de mil agentes da PIDE e 20 mil informadores, vulgo bufos.