João Carlos Antunes
Apontamentos da Semana...
LEIO E APRENDI A GOSTAR de banda desenhada desde o primeiro ano da escola primária, porque o meu pai seguiu a sugestão do meu professor, o professor Hormigo, e assinou-me durante vários anos uma revista para miúdos que tinha parte significativa dos conteúdos em forma de histórias aos quadradinhos. Cresci sempre com banda desenhada, comprada à porta do liceu numa banca ambulante de livros em segunda mão. Guardei até hoje alguns exemplares do Mandrake, Cisco Kid, Major Alvega e outros heróis de papel de outros tempos.
Outras vivências de grupo deram em ler, colecionar e trocar revistas e livros de banda desenhada: Astérix, Lucky Luke, Spirou, Tintim… E a ida para a universidade e para a cidade grande deu-me acesso a banda desenhada, em especial a francesa, até aí por mim desconhecida, e que descobria principalmente na livraria Opinião, em frente do jornal República, junto do Largo da Misericórdia. Banda desenhada adulta e satírica adquirida com grandes malabarismos financeiros. L’Echo des Savannes, Hara-Kiri, Actuel, Le Canard Sauvage... E também o Charlie Mensuel que comprei durante tantos anos que hoje ocupa uma boa prateleira na minha estante e o Charlie Hebdo que já em 1972 comprava episodicamente na Opinião, porque coisa semanal era mais complicado e o cambio livreiro não era brincadeira.
E foi assim que passei a ser tu lá tu cá com grandes desenhadores, um dos quais o meu favorito, Wolinsky, que com Cabu estão entre as 15 vítimas do ataque de dois irmãos muçulmanos, fundamentalistas islâmicos, à redação do Charlie Hebdo, fez agora dez anos. O humor e a caricatura nunca conviveram bem com a censura e a ditadura. Veja-se Vilhena com as suas publicações que eram logo capturadas pela PIDE. Chegou a ter a honra de ser processado pela princesa do Mónaco. Recorde-se o brado que deu entre os setores mais conservadores da sociedade portuguesa, quando o cartunista António em 1992 desenhou o Papa João Paulo II com preservativo no nariz, em resultado das declarações proferidas pelo Papa durante um périplo por África, no qual condenou o seu uso. Ou lembro Augusto Cid, cartunista ideologicamente de direita que foi marginalizado e alvo de censura durante o PREC, com Álvaro Cunhal, Mário Soares e Ramalho Eanes a serem alvos da sua sátira. E poderíamos continuar, mas termino com o mais recente caso público de censura. A cartunista norte-americana Ann Telnaes, já vencedora de um Pulitzer, que premeia o melhor do jornalismo, demitiu-se do Washington Post, que acusou de ter censurado um cartoon onde ela satirizava as relações dos poderosos da tecnologia com Donald Trump. O desenho mostra os magnatas Mark Zuckerberg, dono do Facebook, Sam Altman, CEO da Open AI (Inteligência Artificial) e o fundador da Amazon e dono do Washington Post, Jeff Bezos, oferecendo sacos de dinheiro, em posição de submissão aos pés de Trump.
Diga-se que receio mais o papel de Elon Musk, Zuckerberg e companhia, que se julgam os donos do Mundo, do que receio Trump que, por muito que ele não queira, será sempre escrutinado pelos eleitores. No Daily Show (RTP2), um cidadão que tinha votado Trump, mostrava-se zangado porque nunca em campanha tinha mostrado os ímpetos expansionistas de querer ocupar, a bem ou a mal, o Canadá, a Gronelândia e o Canal do Panamá, antes preferindo passar meia hora de um comício a dissertar sobre o tamanho do pénis de um conhecido golfista.