Edição nº 1884 - 26 de fevereiro de 2025

Elsa Ligeiro
VAIDADES IRRITADAS E IRRITANTES DE CAMILO CASTELO BRANCO

No próximo dia 16 de março assinala-se o segundo centenário do nascimento de Camilo Castelo Branco.
Autor que partilha a grande narrativa do século dezanove em Portugal com Eça de Queirós, vinte anos mais novo.
Que seria da história da literatura portuguesa sem a ficção exacerbada de um Camilo sempre no limite do bom gosto; mas dentro dessa verdade que só a literatura nos pode oferecer?
Camilo Castelo Branco foi toda a sua vida um passional que escrevia novelas sobre as pessoas que o rodeavam ou inspirando-se nas histórias em que foi protagonista.
Contando as derrotas de amores de perdição, que o apaixonado Camilo sentiu na pele e no corpo; como a do cativeiro na Cadeia da Relação, no Porto, onde foi parar pelo crime de adultério com Ana Plácido.
“Amor de Perdição” pode juntar-se aos míticos amores proibidos reais (Pedro e Inês) ou apenas teatrais (Romeu e Julieta) que representam ainda hoje, em pleno século vinte e um, o amor que vence a morte e o esquecimento; numa verdadeira inspiração aos que muito amam sem saber porquê, como nos ensina Camões.
Agustina Bessa-Luís, admirável leitora de Camilo, não resiste e põe em romance uma história de amor em que o bi-centenário autor é também um dos protagonistas.
“Fanny Owen” é, provavelmente, o mais extraordinário romance de Agustina (não o melhor, mas isso levaria muitas páginas a explicá-lo). Romance de Agustina que Manoel de Oliveira adaptou ao cinema com o nome de “Francisca”; e que se mantém como um dos momentos mais brilhantes da sua carreira de cineasta.
No romance e no filme lá estão todos os elementos que fazem de uma grande paixão uma verdadeira tragédia.
O meu interesse pelo Camilo ultrarromântico é pouco entusiasmante, e prefiro nele o escritor que retrata, como nenhum outro, um país rural, de morgadios e de emigrantes portugueses com fortuna conquistada no Brasil.
Emigrantes que invariavelmente regressam ao seu torrão natal para edificar casas vistosas ou comprar Paços; que testemunhem aos olhos dos que os viram partir o seu triunfo sobre a pobreza.
Se tivesse que aconselhar a leitura ou a releitura de Camilo de Castelo Branco indicava “A Brasileira de Prazins” que é, sem dúvida, uma das suas obras primas; e para os que gostam de gargalhadas a céu aberto, o magnífico “A Queda dum Anjo”.
Como editora, ofereci, aos leitores da coleção Literatura Portátil, um dos textos mais brilhantes de Camilo, que selecionei entre as muitas escritas e publicadas Novelas do Minho: “O Cego de Landim”.
Camilo Castelo Branco conta com enorme virtuosismo e de forma acelerada a história de António José Pinto Monteiro que entra no consultório de um advogado (o narrador) em S. Miguel de Seide a pedir justiça e que dará aso à escrita da sua biografia de falsário e emigrante no Brasil; com personagens de um enredo de polícias e ladrões notável, e malandragens de toda a espécie envolvendo personagens inesquecíveis como o “guarda-livros” do cego, o sinistro mas filosófico Amaro Faial “A moeda falsa é comércio como qualquer outro, com vantagens em proporções dos riscos. Negócio execrando só conheço um: é o da escravatura… Assevero-lhes que a riqueza do senhor Pinto Monteiro não se fez com a escravaria”; ou a afilhada do cego, Narcisa, maria-rapaz que o padrinho casou para grande desgraça dos noivos.
Todas as histórias de “O Cego de Landim” têm um enredo vertiginoso entre Portugal e o Brasil e de novo Portugal.
No humor hilariante com que ataca as misérias dos ricos e poderosos, sem poupar os costumes e a muita hipocrisia transversal a todas as classes sociais, especialmente as do clero e da classe política; Camilo Castelo Branco no século dezanove consegue transformar o mais leve acontecimento numa literatura torrencial; atingindo muitas vezes o delírio pelo excesso.
E não há que escolher entre o Eça ou o Camilo; cada um no seu território e os dois na melhor Literatura Portuguesa do século dezanove.
Polemista encartado, Camilo Castelo Branco não deixou de intervir na famosa “Questão Coimbrã”, e publicou, em 1866, o livro “Vaidades Irritadas e Irritantes” em que defende com o talento que só a pena camiliana seria capaz: António Feliciano Castilho, contra os jovens insolentes Antero de Quental e Teófilo Braga.
É esse o texto que sairá na nova coleção “Coimbra Literária”, ainda neste ano de 2025, como um pessoal e especial tributo ao génio de Camilo Castelo Branco; mas também para explicar aos meus contemporâneos que a escrita pode ser, ainda hoje, um dos mais importantes suportes para um saudável debate de opiniões e ideias.

26/02/2025
 

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