Edição nº 1899 - 11 de junho de 2025

José Dias Pires
O PARLAMENTO VISTO DAS GALERIAS

Dirigi-me ao lugar que alguém guardara para mim e olhei o anfiteatro.
Quase toda aquela gente entrava alegre num novo tempo que não sabiam o que, nem como, seria. Aceitavam, a sorrir, uma espécie de sequestro voluntário, como se fossem gente (ainda) inocente à descoberta de uma outra realidade dentro da sua particular floresta. Não parecendo temer ser aprisionados pelos saudosistas das aulas magistrais da Confraria, alguns (poucos) chegavam seduzidos pelo espírito da Floresta de Todos, mesmo que enfeitiçado por todas as bruxas e feiticeiros possíveis e imaginários.
Quase toda aquela gente não sabia, nem conseguia saber, se controlados de dia pelo movimento dos grãos de areia das ampulhetas e, à noite, pelo sussurrar mágico das gotas de água das clepsidras, conheceria, por fim, no desconhecido universo, a cidade perdida na invisível Casa Comum da Floresta, assim como os segredos das fadas e dos magos ou os anseios de todos os novos presumidos donos da magia demonstrativa dos trágico-cómicos feitiços de amor (crendice) e desamor (ódio, mesmo), fundamentados em ilusão ou então no seu contrário.
Ali, no hemiciclo, entre o renovar da areia e o retomar da água nos relógios, os seus pensamentos voltavam, por breves instantes, desejosos de novidade, ao novo mundo que há pouco lhes fora oferecido.
Será que sabiam que iriam ter de atravessar o Abismo das Almas e, depois de rodear a Montanha das Tentações, trepar, sem medo, ao monte da Noite para chegar, por fim, ao Vale de Todos os Rostos (os que em si confiam) e do Silêncio da Luz (a sabedoria)?
Conseguiriam saber ouvir, por lá, tudo o que os dias lhes contassem, sentados nas primeiras pedras e iluminados pela luz do primeiro sol, todas as manhãs (as memórias)?
E quando chegasse a noite, descansariam serenamente, depois de pensar em tudo o que lhes dissesse o dia (a reflexão)?
Saberiam como dormir debaixo das macieiras, sem temer a confirmação de Newton (em confiança)?
Será que sempre antes do primeiro raio de sol na manhã, percorreriam todos os trilhos que passam ao lado das ruínas de todos os templos, para chegar ao rio (o devir e o dever)?
Teriam o cuidado dos novos leitores (se por acaso lessem), que os levasse a aprender a interpretar as margens, a compreender a matemática dos sons, a química potencial dos ruídos e das palavras cantadas entre o salto de um seixo ou o precipício poético do vazio (a vida, ela mesma)?
Para além da sua algazarra, quantos serão os que conseguirão ouvir o coro do eco e as teorias do zero, como primeiro momento do tudo (a humildade)?
Quais serão os que, entre salgueiros e musgos, lama e areias quase douradas, vão perceber a afirmação do Rio Sim como o duende experimentado e mestre capaz de promover, com os gnomos do Mar de Cá, todas as descobertas opostas ao Rio Não (o contraditório)?
Beberão a sua água, ou nele despejarão a água sobrante dos seus cantis, depositando definitivamente a clepsidra porque, ao olhar a corrente, podem saber exatamente onde fica a fonte (as convicções)?
Acompanhados por todas estas minhas dúvidas, todos os parlamentares, convencidos que guardavam, dentro de si, os segredos do novo tempo, entraram no salão.
À espera.
À espera que os aplausos e os vivas os empurrem um dia para o estrado que promete ser a passagem para o outro lado da planície (os convencimentos). Os cortinados vermelhos vão obrigá-los, a todos, a olhar para dentro e a usar (o mais certo é que não usem), como prova, tudo o que o tempo ofereceu e o espaço ensinou.
Colocadas sobre o estrado estarão as cadeiras — as chaves. À sua frente, todos os outros (entre os quais, nós): as portas. Quantos deles saberão ou verão claramente, onde fica a fechadura?
Imagino os vivas a transformar-se numa palavra de ordem: «Mostrai! Mostrai! Mostrai!»
Mostrarão?
Quanto à maioria, infelizmente, são exíguas as minhas expectativas.

11/06/2025
 

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