Aproximam-se a passo largo os tempos das vindimas (há quem diga que este ano começarão em agosto). Li algures que são nove os passos necessários para que os grandes vitivinicultores produzam os seus vinhos que, sendo diferentes na designação, perseguem exatamente este objetivo: deleitar-nos com o produto final. Contudo, nestes inusitados tempos de pré-campanha da pré-campanha eleitoral, será que os políticos nubentes sabem que para os discursos o processo é quase o mesmo?
Sigam-me, por favor, neste paralelismo: uvas e palavras.
1º - Uvas: pegue-se nas uvas depois de vindimadas e desengacem-se os bagos dos cachos antes de se esmagarem (o que, no caso das uvas, não é uma humilhação, antes o primeiro elogio). O desengace e o esmagamento são a etapa inicial da libertação das uvas - se bem tratadas, caminham para vinho; se destratadas, condenadas a vinagre.
Palavras: achem-se as palavras que habitam as ideias. Considerem-se apenas as que potenciem a surpresa do novo e calquem-se de sentimentos e sensações (as palavras, depois de apertadas, tendem a expandir-se em liberdade criativa). O achamento é sempre o primeiro degrau da escrita, antes mesmo de se saber qual o sentido da escadaria.
2º - Uvas: Deixe-se o mosto sofrer, sem altas febres, em poucos dias. Na fermentação ganhará doçura, intensidade.
Palavras: Não se obriguem as palavras ao compromisso definitivo, para que possam decidir até quanto pesarão para o seu dono, aliviadas (depois) para a política.
3º - Uvas: escorra-se o mosto para que o seu líquido repouse enriquecido do suor que outros mostos destilaram, em copiada água(ardente).
Palavras: Decalquem-se as palavras até que satisfaçam o (minucioso) destilar dos copistas.
4º - Uvas: entregue-se o mosto à prensa, na certeza que o aperto lhe emprestará mais cor e aroma.
Palavras: emprestem-se as palavras (ou tomem-se emprestadas) para que as autorias (dadas ou tomadas) vivam (sem aperto) um momento de homenagem.
5º - Uvas: Separe-se o vinho das indesejadas partículas, segundo a vontade da (trasfegadora) deusa do ar e do sabor que limpa a alma do vinho.
Palavras: Recolham-se as palavras nas salas de inventar (ou descobrir) onde se depositam (todas) as partículas das almas dos políticos.
6º - Uvas: Amadureça-se o vinho (por velhice). Que os deuses do tempo lhe preservem (na repetição dos dias) aromas e cor.
Palavras: repitam-se (criativamente) as palavras à exaustão da escrita. O eco político há de ganhar (no tempo) condição de teoria.
7º - Uvas: lote-se o vinho na (sábia) mistura dos sabores. Pequenos roubos que se elevam à condição dos grandes feitos.
Palavras: faça-se a revolução dos textos com as palavras roubadas às ideias. O roubo que antecede a redistribuição criativa sempre apadrinhou a novidade e encaminhou o voto.
8º - Uvas: clarifique-se o vinho no refrigério da sombra, para que ganhe luz (cópia a cópia) quando dialoga connosco em cada taça.
Palavras: escrevam-se as palavras ditas através da arte da interpretação (criativa) para que ganhem luz em todas as sombras escondidas no papel ou nas esquinas da vida.
9º - Uvas: encaderne-se (por fim) o precioso néctar, para que o descubramos no acaso (orientado) da sabedoria dos que leem as bebidas.
Palavras: engarrafem-se as palavras (todas) e lancem-se no mundo. Espere-se que o político (inteligente) tenha sabido gerir o seu potencial criativo, a sua teimosia perseverante, e o seu olho de pintor (ou de mentiroso), porque nem sempre se descobre (por acaso) o agradável de quem bebe as palavras.
Confesso: sei que fica por saber se com estes nove passos das uvas se produziria bom vinho (nunca me facilitaram a matéria prima). E nos espelhados nove princípios que aproveitei para as palavras, será que se conseguiram alguns discursos acima da mediania?
Experimentem, acompanhados de um bom vinho do Porto.
Pelo menos, ficarão alegres.
Na verdade, fartos de enjoados estamos todos nós.

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