Antonieta Garcia
Cuidado com os nomes…
Afinal, o país está bem e recomenda-se. Gosta é de lamúrias. Jeremia durante 4 anos, chega às eleições, limpa a zanga e as lágrimas, vai às urnas, enterra o mau feitio… e vota como vimos.
É assim que o luso mostra a sua garra: pondo de pantanas teorias de pensadores ortodoxos! A Austeridade era sempre castigada nas urnas? Que monotonia!… O português de peito feito aguenta. Quem é pobre, aprendeu que não pode sair dos trilhos.
Se pisa o risco, arrisca-se a perder o pouco que tem.
Viver à grande e à alemã é para uns tantos privilegiados. Mãos rotas não rimam com este território e o medo guardou a vinha. Habituado a pagar tudo com língua de palmo e juros obesos, não fosse o diabo levar ainda mais, decidiu-se pela continuidade. Cada qual é para o que nasce e não queira o sapateiro tocar rabecão se não sabe pôr-lhe a mão… A mudança quase sempre intranquiliza.
Adiantam uns que a maioria dos eleitores votou contra a Austeridade… e há alguma coisa de verdade nesta afirmação. Porém, a vitória está no PàF. O partido que tem mais votos – PSD – deverá formar governo... O problema é que, contas feitas, a maioria absoluta fugiu… Na verdade, as eleições não convidaram os vencedores para uma festa…
Surpreendente, a 4 de outubro, foi o protagonismo no feminino. Olhem para os nomes! A primeira Catarina (Martins). Ser mulher valeu-lhe, à partida, ouvir perguntas e insinuações impensáveis. Autovalorizando-se, um jornalista, ou não, revelou estar convicto que é desigual o grau de honorabilidade e de competência das mulheres. A questão sobre a capacidade para desempenhar o cargo de primeira-ministra foi original, mas insultuosa. Já lá vão mais de 40 anos de atos eleitorais e não me lembro de um candidato ser interrogado sobre o dito engenho. E se tem havido inaptos com provas dadas…
Catarina é mulher, tornou-se apetecível… desafiar? Humilhar? Equivocou-se o inquiridor. Uma das qualidades da candidata do B.E. é a mestria da palavra, a vivacidade. Com a resposta calma e clara o entrevistador limitou-se a afivelar um sorriso amarelíssimo. Ser mulher facilita estas licenças… intoleráveis para o género masculino.
Noutra onda, explicava bem alto um vendedor, num mercado:
- Votei na Catarina, que ela é boa rapariga É pelos pobres, que os ricos não precisam…
Qual ideologia?!
Despertou também sentimentos de ternura, na visita a uma feira. Comentava um idoso, sorrindo, quando a viu: Ai, ela é tão baixinha… Valha-me Deus!
Pode ter sido outro dos que votaram B.E. Ou seja, houve gente que escolheu o Bloco por razões diversas, e não fosse a qualificação repetida de ser um partido de extrema-esquerda, a apontar para doutrinas que resultaram mal… e estas senhoras teriam conquistado, talvez, mais deputados. Falo no plural, porque também Mariana Mortágua entrou na ribalta política. E outras. Mas Catarina e Mariana… prometem. Com estes nomes como não devanear e romper a ordem e coerência do quotidiano? Valha-nos Fray Luis de León que entendia que todos los nombres que se ponen por orden de Dios traen consigo significación de algún particular secreto que la cosa nombrada en sí tiene (...).(Fray Luis de León, Los Nombres de Cristo).
A crença num sentido oculto dos nomes, a identificação entre a palavra e o que designa (ao contrário da convencionalidade e arbitrariedade do signo linguístico defendidas por Saussure), até pode, neste caso, fazer sentido. Catarina e Mariana são nomes com história. Célebre foi, Catarina Eufémia (1928 – 1954), ceifeira, assassinada aos 26 anos, em luta pelo aumento de salários. Muitos poetas a homenagearam; Zeca Afonso cantou-a no álbum Cantigas de Maio... Catarina tornou-se um símbolo de resistência feminina ao regime salazarista.
A narrativa de Mariana (Alcoforado) é diferente. Autora ilustre das famosas Cartas Portuguesas abraçou outra forma de revolucionar costumes e ideias. Catarina, Mariana… gente moça é mesmo assim. Mas cuidado pais com a seleção de nomes para filhas e filhos, claro! A mim, já se me curaram os radicalismos que ousei em menina e moça; porém, pensando na sina de Maria Antonieta, rainha de França, queira Deus que um dia destes, não perca a cabeça…