10 de agosto de 2016

Antonieta Garcia
POKÉMONS? ATÉ PREFIRO AS NHANHAS!

Lá vem o tempo da infância que tem muito que contar. Basta parafrasear este começo da “Nau Catrineta” e solta-se um nunca acabar de histórias sobre temas… tais e tantos, que edificamos um enredo de uma tapeçaria inacabável, infinita de tempos e personagens.
Neste verão, no âmbito de patranhas e lérias, ganharam os Pokémons pela caça que movimenta mais criaturas do que, creio, seria expectável. Porquê?
Conheci-os cedo, pelas mãos de um neto; quis interessar-me; mas as propostas de jogo com umas cartas com as figuras dos “monstrinhos de bolso”, cada uma com uma valia que só ele sabia… desisti. Aprendi que havia os bons, os maus e os outros. Alguns tinham umas feições que até nem eram antipáticas, mas os nomes eram tantos, tantos, tantos… e a multiplicar-se tão desalmadamente que só decorei o Pikachú, engraçadito e ternurento. Pelos sons que ouvia, fesche- fechi-fesssche, com os bonecos em cima da mesa, soube de batalhas planeadas em que o mais forte vencia “aquele”… e precisava de conquistar outro para derrotar o “qualquer-coisa”…
A jogos, bonecos, filmes, cartas… seguiu-se a caça. E aí voltei aos Pokémons go. Caçar o quê? Aqueles bonecos virtuais, ainda que, forçosamente, inspirados na realidade? Para quê?
Que tal apanhar Gambuzinos? Pois, também se agarravam. À noite, no campo. Menino novito, mais para o citadino, não escapava a um convite de ganapos, durante as férias, para a apanha de Gambuzinos; o jogo funcionava como uma desforra. Tinha a ver com o desagravo de geografias de saberes entre rurais e urbanos… Outras vezes, era desporto familiar a praticar com os mais novos. A aprendizagem era importante: escolhia-se o saco de serapilheira indispensável para se meterem os bichos; ditavam-se os cuidados a observar para que não acordassem… e outros engenhos mais ou menos maldosos capazes de provocar o interesse e muito medo do desconhecido. Que sabiam os meninos da cidade? O divertimento durava tanto quanto a ingenuidade do caçador principiante. Durante noites seguidas, não se via nem o primeiro. Justificavam: Andam esquivos! O temor crescia e assomava face a uma busca a um animal noturno, com nome estranho, habitante de lugares sombrios, e de que jamais tinham ouvido falar. Como seriam? A imaginação voava…
Ora, os Gambuzinos eram amigos íntimos ou irmãos da Mafamagafa outra designação de bicho com cinco “às”, que a tornavam feminina e bem- disposta. Dita em lengalenga: Sei um ninho de Mafamagafa / Com cinco mafamagafinhos / Quando a Mafamagafa vai mafamagafar / Os cinco mafamagafinhos / fazem tal mafamagafada,/ que não se ouve nada.
Nunca ninguém viu uma Mafamagafa, mas todos inventaríamos uma e a projetaríamos, descreveríamos… se o pedido surgisse. Cada um construiria a sua. Sei do que falo. Tentei este exercício numa turma… e o resultado foi realmente muito criativo; quase sempre ave – a palavra ninho é sugestiva – valeu o surrealismo dos esboços de bichos em formas e cores. Todas diferentes, as Mafamagafas.
Faltam as Nhanhas, as mais lesmas e moles da família, como o nome insinua. Pamonhas, anafadas e oleosas? Também se caçavam, à noite. Um dia, perguntei a um malandrete que formulara o convite a miúdos amigos:
- Como são?
- Não sei; nunca apanhei nenhuma!
As Nhanhas, irmãs dos Gambuzinos e das Mafamagafas, tinham parentelas e ritos iguais. Cada um criava a que mais gostava ou detestava.
Certo é que soava sempre mal a sugestão: Vai caçar gambuzinos! - ou outro bicho qualquer dos nomeados -. No mínimo configurava um insulto. Uma criatura tremendamente fastidiosa reagia mal a tal plano…
Mas havia o meu Gambuzino, a minha Mafamagafa, a minha Nhanha… a fantasia a dar asas a uma personagem a partir do nome e das circunstâncias.
Entretanto, e a propósito do jogo Pokémon Go, soube que, no tempo de meus filhos, a estratégia da caça aos Gambuzinos adquirira outros contornos. Figuraram os ditos em pirilampos, insetos misteriosos, noturnos, que vivem em locais sombrios, húmidos… mágicos e muito, muito, muito raros. Emitem luz e são visíveis no verão, longe de locais iluminados. Comunicam, ao anoitecer, através daquele esverdeado luminoso, no final do abdómen. Popularmente designaram-nos com o expressivo vocábulo luzecu; há quem prefira vaga-lume.
Difíceis de encontrar, a caça obrigava igualmente a um afastamento de lugares ruidosos, povoados. A garotada experiente conduzia os principiantes a apanhar pirilampos, aplicando as estratégias tradicionais. Mas os pirilampos, com luzes, num local escuro, eram, com as conversas encaminhadas para o mistério, tão temíveis como os outros. Quem ousava mexer-lhes?
E os Pokémons? São virtuais, às grosas, com uma imagem sempre igual - está definida. O que faz quem caça? Fala? Procura? Têm o encanto das engenhocas tecnológicas. E mais? Que criatividade? Que é da imaginação? E do convívio com os outros? E a partilha de emoções? E a fantasia?
Pokémon Go? Até prefiro as Nhanhas!

10/08/2016
 

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