6 de janeiro de 2016

CESALTINA GILO
CIDADE - ESPELHO DE CIVILIZAÇÃO

Considerando-nos seres de uma antiguidade relativamente a próximos futuros, coloca-se-nos a questão: «que rigorosa será a nossa descrição do universo daqui por duzentos, cem, cinquenta anos?!». Dispomo-nos juntar elementos adquiridos no saber de experiência feito em novos dicionários, em redes sociais, etc., e eis que, de súbito, a curiosidade é atraída por um livro intitulado A Grande Mudança de Stephen Greenblatt, actualmente professor, galardoado, na Universidade de Harvard. Li o prólogo e antes de algumas leituras que fiz do livro, senti curiosidade de ver a crítica de que faço citação: «É um livro inteligente e apaixonante sobre como um texto antigo abalou a Europa renascentista e inspirou ideias absolutamente modernas (como o átomo) que ainda hoje reverberam». O texto antigo é um manuscrito da autoria de Lucrécio, de há 2000 anos A.C., encontrado por Poggio, que o faz chegar até nós em 1417.
Após este preâmbulo, não foi arredado o propósito inicial de abordar factos em relação à cidade – espelho de civilizações, que despertou o imperativo de uma outra oportuna comunicação. Dizia Henry Pirenne que «em nenhuma civilização as cidades se desenvolveram independentemente do comércio e da indústria».
Há que esboçar o processo que a partir das civilizações do Vale do Nilo e da Mesopotâmia conducente à vida urbana dos nossos dias. Podemos ter perspectivas da cidade sob o ponto de vista histórico, geográfico, arquitectónico, etc... Já dizia Alberti, arquitecto do séc. XV, que «se a grandeza da arquitectura está ligada à da cidade, a solidez das instituições costuma avaliar-se pela dos muros que a protegem».
Ao objectivar o tema da cidade há a considerar a polis grega distinta da cidade medieval, agrária; da feudalidade; a vila cristã da medina muçulmana; a cidade templo da China; a metrópole comercial de Nova Yorque. A urbe é praceta, ágora, local para conversa, eloquência… Se diminuir a loquacidade, diminuirá a cidadania.
As cidades anglo-saxónicas são cidades caladas ou reservadas. Na Nova Inglaterra existe a formação de povoados, de casas isoladas, autónomas, que se juntam umas às outras, mas deixando grandes espaços preservados, o common. Os Estados Unidos não têm cidades como nós as concebemos, existindo regiões suburbanas, aglomerações humanas, concentrações industriais…
A fisionomia da cidade muçulmana tem por base a vida privada e o sentido religioso, sendo que Maomé disse que o interior da casa era um «santuário e os que o violarem, chamando-te quando estás lá dentro, faltam ao respeito que devem ao intérprete do céu». O muçulmano reparte a sua vida entre o harém e a vida de relações, que não se pode chamar de uma plena vida doméstica, que se acha constitutivamente reduzida. A própria distribuição das casas, as ruelas tortuosas cheias de cotovelos, levam a que não se saiba se passamos os muros de um palácio ou a casa miserável onde se amontoam as franjas dos deserdados… A função da praça é exercida por um pátio na Mesquita, sendo um espaço de meditação religiosa. O último elemento dominado pelo bulício humano é o mercado ou bazar, que obedece a uma necessidade funcional.
Na cidade espanhola procurou-se conciliar a urbe latina com o harém islâmico, sendo que o espanhol vai para a praça participar na vida pública, mais intensa que a do muçulmano. Todavia a mulher olha a rua através de aberturas em paredes espessas, com gradeamentos fechados e gelosias. Na época da Reconquista, a Espanha deu forma à cidade convento, que se repercutiu na Espanha católica que, parecendo embora uma contradição, obedecerá à morfologia da cidade muçulmana.
Não só o carácter da vida pública é suficiente para definir uma cidade. Segundo Spencer, «sobre a espiritualidade geral da cultura destaca-se a Alma da Cidade» como algo de mistério que vive, respira e cresce… À alma da cidade associa-se a cidade sem alma da época barroca, originada pela revolução industrial, em que a fábrica é o principal elemento; tudo é dominado pela lei da produção e benefício económico. A cidade não existe nos aspectos espirituais e sociais, é simplesmente uma fábrica de produção.
A cidade moderna, segundo Fernando Chueca, «é um aglomerado em que perduram certas estruturas históricas e antigas formas de vida juntamente com as novas do capitalismo e da técnica». Não é uma cidade pública, como a clássica, nem campesina e doméstica, não sendo integrada por uma força espiritual. É uma cidade formada por zonas espalhadas pelo campo, onde não existe, ou não existiu, a vida de relação.
Não será o homem impulsionado por estímulos diversos que a conduzem à desintegração?
Não será o homem futuro o produto de uma técnica que, mercê da sua inteligência e persistência, paradoxalmente não pode libertar-se, visto ser o seu principal obreiro?

06/01/2016
 

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