Antonieta Garcia
CRÓNICA POLIDAMENTE INCORRETA…
Já enfastia (permitam-me a recuperação do expressivo vocábulo) ouvir/ler a culpabilização (sempre fácil!) de professores e de pais no processo da formação/educação dos jovens.
Convertidos em bodes expiatórios do mal que grassa, neste domínio, pais e docentes são, afinal, corréus de um sistema que amargura famílias inteiras.
Os jovens apresentam-se como vítimas. Ora, em nome do bom senso, reconheçamos que os moços não são os coitadinhos da sociedade. Seria menorizá-los não lhes reconhecer a capacidade de poderem eleger a forma como preferem viver, como de resto aconteceu com todas as gerações, ao longo da História. Sempre houve os contestatários, os lambe-botas, os indiferentes, os hipócritas, os dissimulados, os invejosos, os incapazes, os preguiçosos e os laboriosos, os inteligentes, os narcisistas, os folgazões, os satisfeitos… Certo que, em dosagens diversas, todos têm qualidades, defeitos e têm dias... Nos tempos que correm, não é fácil transmitir valores, formar cidadãos. Esboroam-se princípios seculares, desdenham-se Direitos Humanos, menosprezam-se comportamentos que não visem o lucro imediato… Neste contexto, a escola é uma seca, a cultura tortura… Adoradores da internet, de videojogos, do espetáculo veneram igualmente as redes sociais, disputam “likes” para sobreviverem, têm “amigos facebuqueiros” que nem sabem bem quem são…
Visão pessimista? Não é assustador o número de jovens que se alheiam de tudo o que os cerca?
E os pais? Na perspetiva dos filhos, são bons, se não se preocuparem / interessarem pelos caminhos que eles escolhem. Perguntar onde vão, exigir cumprimento de horários, saber quem são os amigos... são atitudes qualificadas como uma tremenda invasão de privacidade, uma intromissão intolerável em questões que clamam: “só-a-mim dizem respeito!”
Critérios de candidatura a um “óscar” de bons pais inclui satisfazer todos os pedidos, oferecer semanadas suculentas… No que respeita a professores, exigir pouco, pactuar com a indisciplina, deixar de lado matérias difíceis garantirá o epíteto de “bué fixe”, embora com curto prazo de validade…
As liberalidades que os moços exigem devem ser reforçadas com a ausência de advertências, mesmo que as regras antes acordadas sejam atropeladas… Desta forma, alivia-se a conflitua-lidade; o drama surge, quando após muitas palavras, safanões, os pais tentam inverter a atuação/intervenção.
Começa, então, uma via-sacra dolorosa. Nesta estação, já estão envolvidos numa teia asfixiante de mentiras, de alienação, de perigos. Os pais esclarecem, como podem, a vantagem da mudança de conduta, repreendem, cortam a semanada, atormentam-se. Os moços entram na fase das lamúrias; vendem o currículo do pai ou da mãe, ou de ambos, como pessoas angustiadas, dementes, perseguidoras… Colocam-nos nas ruas da amargura, descrevendo, junto de outras famílias, malfeitorias e torturas virtuais infligidas por pais, pintados como os piores do mundo. Quem acredita dá-lhes colinho, muito colinho!
Aprendem muito com o grupo. Perderam o medo, arriscam-se todos os dias. Saem quando querem, voltam a casa quando e se apetece. Os pais esperam-nos acordados. Mortificados avaliam o estado de desorientação em que chegam, desesperam, lamentam. Vociferam os jovens: “Pura patifaria, controlo insuportável… Querem saber tudo, mas alguma vez aceitariam que bebêssemos e fumássemos e nos divertíssemos? Que mal tem um coma alcoólico? Como saber o que é, se não experimentamos?”
- Que vergonha! Gemem os Pais.
Faltam muito, as notas baixam, o aproveitamento escolar é nulo. Segue-se a fase das consultas psiquiátricas. São rodeados por técnicos, por psicólogos. Elaboram “Pactos de confiança”. Os jovens aderem; quanto mais ouvem, e “alinham” em conversas intermináveis, maior é a capacidade de construir as formas de dar a volta ao texto: “Pais, psiquiatras, psicólogos julgam-se espertos, mas desde que saibamos identificar o que querem ouvir, as coisas melhoram muito…
Se os pactos forem violados também não lhes acontece mal nenhum. Heróis de um mundo triste, vazio, sem luz, entregues a si próprios, sem amigos, gritam muitas queixas, culpam, exigem direitos, querem ser livres!
Aos dezasseis anos, de acordo com a legislação em vigor, podem decidir (eles, não os pais!) se seguem ou não, um programa de inserção / recuperação. Aos dezoito anos, pedem carro próprio. Habituados ao muito e ao supérfluo, consumistas, insaciáveis, confrontam-se com velhacos que os exploram e os amedrontam até à espinhela, ameaçam-nos se não cumprem ordens e não estão a fazer-de-conta… Exímios na arte de cavalgar sobre o desespero paterno, desorientam-se, descontrolam-se, pervertem-se, aviltam-se. Não ouvem ninguém, estraçalham afetos… agridem, magoam-se, fogem! Um inferno!
Sofrem que nem uns danados. Perdem o norte! Recusam-se a executar qualquer tarefa, mas pedem dinheiro, muito dinheiro! O consumo de canábis, cujo princípio ativo (THC) foi altamente potenciado, custa dinheiro; se vão além dos cana-binóides o processo piora. Alguns param. Outros fumam cada vez mais, consomem sabe-se lá o quê, vão a muitos festivais, bebem em bares, em cafés, na rua… (Quem cumpre a lei que proíbe a venda de álcool antes dos 18 anos?) Com o telemóvel, a internet… trazem o mundo no bolso, comunicam por abreviaturas, têm muita pressa… Olham de soslaio os que apelidaram de cromos, cotas, betinhos, chatos… os colegas que hão de ter vida…
Privilegiados na infância e na adolescência, mimos e mordomias sobraram? Nesta via-sacra quem são as vítimas? E os responsáveis? Que lei vai aprovar o Parlamento?
Ouçam este consumidor com 40 anos: A erva tem os seus encantos, no entanto não deixo de sorrir quando leio ou ouço alguém dizer que não tem nem traz coisas más. (In DN, 4/03/2017, p. 7).