POR PEDRO MEXIA E MARIA JOÃO FERNANDES
Denutada de Gonçalo Salvado interpretado a duas vozes
Denudata, que é o novo livro de poesia de Gonçalo Salvado e que inclui desenhos inéditos do escultor Francisco Simões e fotografias de Manuel Magalhães, com prefácio do poeta brasileiro Carlos Nejar e um texto de abertura de Maria João Fernandes, foi apresentada dia 1 de julho, no antigo edifício dos Correios, em Castelo Branco.
A obra, apoiada pela Câmara de Castelo Branco, foi apresentada por Pedro Mexia e Maria João Fernandes.
Refira-se que a apresentação de Denudata assinalou o encerramento da exposição Amor, Única Chama, de esculturas, cerâmicas e desenhos de Francisco Simões, comissariada por Maria João Fernandes, que esteve patente naquele espaço e foi inaugurada pelo ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes.
Carlos Semedo, assessor para a cultura do presidente da Câmara de Castelo Branco, Luis Correia, abriu a sessão apresentando os participantes e o assunto em causa.
João Carrega responsável pela editora RVJ, além de enaltecer a qualidade da obra, referiu-se ainda a outros livros do mesmo poeta já publicados pela editora.
A apresentação continuou com a intervenção do escritor e crítico literário Pedro Mexia que começou por referir o facto de há 20 anos ter elaborado uma reflexão crítica sobre o primeiro livro de Gonçalo Salvado (Quando, 1996) acentuando que as linhas de força que aí havia detetado se mantinham até à atualidade, enriquecidas e evidenciando um trabalho de contínua depuração que elogiou.
Citando um ensaio de José Tolentino Mendonça alusivo ao Cântico dos Cânticos, salientou depois a filiação de Gonçalo Salvado na substância emotiva e ideal daquele amoroso texto bíblico sempre presente na sua poesia. Enquadrando-a numa ininterrupta tradição da poesia lírica e erótica portuguesa e confrontando-a com a poesia de David Mourão-Ferreira de quem leu alguns poemas, um dos mais emblemáticos poetas do amor da nossa contemporaneidade.
Pedro Mexia, numa análise arguta e pertinente, foi definindo, aclarando e estabelecendo paralelismos entre a poesia amorosa de David Mourão-Ferreira e a mensagem lírica e erótica presente na obra poética de Gonçalo Salvado, para concluir que embora aproximando-se na sua temática essencial: o erotismo, a poesia deste último ultrapassa uma dimensão puramente erótica na riqueza do seu jogo de metáforas. Aproximou ainda a expressão “corpo glorioso” que termina o ensaio de Tolentino Mendonça, do fulgor de uma transcendência na obra do autor de Denudata que em si define o próprio fenómeno poético.
Por sua vez Maria João Fernandes filiou a poesia de Gonçalo Salvado, poeta-artista, não apenas na grande tradição da poesia lírica portuguesa, mas também no grande filão da cultura portuguesa que no Século XX promove o diálogo entre palavra e imagem, de que é expoente o poeta e pintor Julio/Saúl Dias, um dos seus mestres. A poesia de ambos tendendo para a depuração formal e refletindo a presença do arquétipo feminino, de que nos oferecem uma bela e elo-quente expressão.
Maria João Fernandes refletiu sobre o mistério que preside à imagem poética desdobrando as suas evidências e segredos nesta obra acrescentando que “A mulher na poesia de Gonçalo Salvado representa a maior luz, a maior energia possíveis, mistério capaz de inspirar, como o Sagrado, terror e maravilha. É plenitude do Ser devolvido à sua mágica essência que cintila numa luz total e trans-figurante que em si abarca a noite. Mágica essência do feminino, igual à primavera, a um oceano de estrelas a flores que amanhecem com o sol, igual a Vida, na esplendorosa chuva de metáforas dos poemas. E no entanto esta maior plenitude, este excesso de Vida, síntese alquímica de todos os opostos, não é contínua, ela manifesta-se no instante supremo do amor, onde vida e morte, sensualidade e sacralidade são um só fenómeno da consciência e do corpo. Epifania do corpo, porque para o poeta tudo passa pela paixão dos sentidos, por uma carnal embriaguez, idêntica à que o vinho provoca.
A amada perpassa livremente no céu do amor reunindo tempos e espaços e traduzindo o movimento do espírito em direção à luz. (…) Verdadeiro objeto de toda a poesia de Gonçalo Salvado que neste livro cumpre uma das suas etapas fundamentais, na simultânea alquimia de palavra e imagem”.