10 de abril de 2019

Antonieta Garcia
PALAVRAS A ENVELHECER

As coisas que não têm nome conhecem-se? Talvez não. A linguagem é um meio excecional de comunicação. Precisamos das palavras. Com elas pensamos, sentimos, desejamos. Os vocabulários mudam de geração em geração, o sentido de alguns termos transfigura-se.... Olhem o atual resmungar jovem e a arte de dizer o amor…. Assombram. Bem sei que a diferença de idade e a subjetividade não permitem o conhecimento absoluto do léxico, nestes domínios. Mas a avaliar pelas vozes exteriores, pela música, pelas canções… O martelar serve revoltas e a linguagem fica prisioneira de sonoridades e palavras esquivas? Os gestos enredam-nas, enovelam-nas… perdem-se?
São muitas as que envelhecem! Por rejeição abandonam-se e vão-se esfumando, apagando, extinguindo… Algumas hibernaram em dicionários à espera de um salvador. Têm sorte as que ressuscitam com um beijo de gente da escrita…. São poucas? Não sei. Mas quem, com menos de quarenta anos, lê Aquilino Ribeiro sem o dicionário ao lado?
Sobram “amigos da onça” para sufocar as palavras. Acompanhados por mariolas que rezam por cartilhas que inglesam despudoradamente o diálogo, ficam com tiques de heróis de pacotilha. Novinhos em folha, “tipo” adolescentes, com as “cenas” que a mestria modernaça do inglês cria, tornam-se espalhafatosos e… pangaios, e “manos” que tais ajudam a reforçar a ancianidade precoce de vocábulos, rosnando obscenidades a cãs cheias de sabedoria. Padecem muito, “’tás a ver?!”, entre outros, com o linguajar comum; entre outros, tropeçam em verbos em conjugação pronominal no futuro e condicional, com o desvio do acento no conjuntivo, na primeira pessoa do plural… Não querem intervir, trocam por um arrazoado aleivoso as palavras que, enganidas de frio, congelam e perdem a voz.
Esta penúria tem vindo a piorar. Ainda há uma vintena de anos, se soltavam na ponta da língua, frases lapidares, concebidas por escritores de alto coturno. Camões e os Lusíadas ensinaram a muita criatura a escolher as palavras adequadas, mais que não fosse no domínio de Eros. Muitas vadiaram livres, em muitos textos... Hoje são ilustres desconhecidas. De alma ao léu falaram sinas sem sorte.
E para o lixo voaram expressões, arredadas do discurso como se fossem teias de aranha asmáticas e pegajosas. Arruinadas pelo esgotamento esmigalham-se lentamente…
Que fazemos com as palavras? Distantes do incipit, quando dizer era fazer – Fiat lux – o “dizer” virou as costas ao “fazer” e começou a falar por falar… Pela boca morre o peixe? Pois que morresse, até porque, dizia-se, o silêncio era de ouro e a palavra de prata… A escolha parecia fácil; mudo e quedo era receita de bom viver! Acresce que um tolo que não fala pode parecer um sábio, ou um poeta…. Há uma percentagem de verdade na afirmação? Quem duvida? As palavras dançam na boca das pessoas, conforme o saber e o gosto de cada um. E se a falar é que a gente se entende, falar por falar sempre traz fastio a tiracolo e sinfonias de tédio.
Almada Negreiros lembrara: “… quando eu nasci, as frases que haviam de salvar a humanidade, já estavam todas escritas, só faltava uma coisa – salvar a humanidade.” Continua a faltar “essa coisa” essencial! Porque são as mesmas palavras, arrumadas de jeitos distintos, que destroem… e salvam.
Olhem as fake news, velhinhas de séculos!!! A ressurreição perpetrada por Trump e apaniguados foi um abrir da caixa de Pandora. Com o poder das redes sociais, da tecnologia, assustam que se fartam! Reproduzem-se à velocidade da luz, e encontram poderosos seguidores que não desdenham usá-las como meios para alcançar os piores fins…. Falsas informações são divulgadas para enganar, manipular a informação sobre um assunto… crucificar instituições, figuras públicas. Perdem credibilidade? Entre crentes e descrentes a crise de confiança nas palavras multiplica-se… Que fé sobra no ser humano?
Neste tempo, que alguns definem como “pós-verdade”, as palavras envelhecem. Quem vem salvá-las? Afinal, ainda é possível fazer coisas com as palavras: “Está aberta a sessão…”
Mano, aposta em “cenas tipo bué de giras”, resgata a comunicação entre as gentes. A máquina tecnológica empobrece. Não te pede que fales, cria regras, dá ordens e tu obedeces… Faz de conta que pede participação e torna-te dependente… E que tal se fosses tu a enganar a maquineta? Troca-lhe as voltas…

10/04/2019
 

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