3 de julho de 2019

Valter Lemos
ENSINO SUPERIOR - A INFÂMIA ESCOLAR

Na semana passada foi divulgado um estudo Edulog da Fundação Belmiro de Azevedo que mostra existir uma brutal desigualdade no acesso aos diversos cursos de ensino superior em Portugal, em função do estatuto social das famílias. Por exemplo nos cursos de Medicina 73,2% dos alunos são filhos de pais que têm cursos superiores e somente pouco mais de 15% são filhos de pais com habilitações ao nível do básico ou secundário. Nos cursos de Enfermagem e Tecnologias da Saúde estas percentagens invertem-se (73% dos pais com habilitações de básico ou secundário e 15% com ensino superior).
O mesmo estudo mostra também que os alunos provenientes de famílias com menores recursos económicos frequentam os politécnicos onde a percentagem de alunos bolseiros é muito superior à das universidades e revela ainda muitas outras desigualdades na frequência do ensino superior.
Este estudo devia ter provocado um sobressalto cívico no país. Afinal o sistema educativo português que consome largos milhares de milhões de euros anuais, limita-se a reproduzir (e não sabemos mesmo se a aumentar) as desigualdades sociais de origem em vez de melhorar alguma coisa a igualdade de oportunidades.
Mas, não houve qualquer sobressalto, o ministro da educação manteve-se escondido nos sítios onde tem estado, o ministro do ensino superior assobiou para o lado pela enésima vez, o primeiro ministro apareceu como habitualmente sorridente na televisão mas, a falar de outras coisas e nenhum dos inúmeros brilhantes jornalistas e comentadores, que todos os dias nos bombardeiam com temas “importantíssimos”, teve qualquer interesse em confrontar os responsáveis políticos com a questão. Do que pude ver, o sobressalto limitou-se a dois artigos de opinião no “Público” online, de Manuel Carvalho e de Francisco Assis (A educação e a democracia), que recomendo. Diz o último que “o estudo nos confronta com um dos maiores falhanços da democracia portuguesa… que revela uma trágica incapacidade de garantir a concretização de uma das suas obrigações mais básicas: a promoção da igualdade de oportunidades”. “O que o estudo revela constitui uma verdadeira infâmia”.
Quarenta anos depois do 25 de Abril verificamos que o nosso ensino superior podia ter sido desenhado e implementado por qualquer ministro do regime salazarista, garantindo, pois, como dizia Carneiro Pacheco, o mais conhecido ministro da educação de Salazar que “a escola serve para cada um aprender o seu lugar e não para desenvolver expetativas desadequadas”.
Temos, assim, escolas para ricos e escolas para pobres e cursos para ricos e cursos para pobres, garantindo, pois, a “adequada” reprodução social e que “cada um aprenda qual é o seu lugar”. E temos claro, os ministros e os responsáveis políticos aparentemente satisfeitos. O Presidente da República, que fala sobre futebol e programas de tv, calado. O governo risonho, o BE e o PCP mudos e a oposição a falar de coisas muito importantes que ninguém sabe o que são.
Mas, mais grave ainda temos os responsáveis institucionais (presidentes de politécnicos e reitores) tão “ocupados” nos habituais jogos de poder organizacional, que nem tempo têm para tomar uma posição sobre um estudo, científico diga-se, que conclui que eles e as suas altamente qualificadas instituições são irrelevantes para o principal objetivo social que devem perseguir.
Há bastantes anos que algumas pessoas menos “distraídas” e “ocupadas” têm vindo a alertar para o facto que o aprofundamento do sistema binário de ensino superior e o atual sistema de acesso ao ensino superior conduzem inevitavelmente à reprodução das desigualdades de origem (económicas, geográficas, sociais, culturais, etc.) mantendo-as e até aprofundando-as. Mas, contando com a ignorância de muitos, a distração de alguns e a conivência dos que vão obtendo as suas pequenas e grandes vantagens, o processo de conformação social do ensino superior tem seguido o seu caminho, pondo, pois, “no seu lugar” as instituições e os respetivos alunos, depois dos sobressaltos provocados pelo crescimento e afirmação dos politécnicos no final do século XX e início do século XXI.
O estudo agora divulgado mostra, como diz Francisco Assis, um grande falhanço da educação e da democracia, mas mostra também uma grande vitória do conservadorismo político e social e também científico e técnico. Tudo está, pois, “no seu lugar” e todos parecem satisfeitos com o seu papel.

03/07/2019
 

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