AVIÃO QUE RECOLHIA ÁGUA NO CASTELO DE BODE PARA COMBATER INCÊNDIO
Trem de aterragem em baixo apontada como causa do acidente
O acidente com o avião de combate a incêndios Fireboss registado dia 3 de julho, quando o aparelho recolhia água na Barragem de Castelo Bode, numa manobra denominada como scooping, de acordo com o relatório do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF), resultou do facto do piloto não ter recolhido o trem de aterragem.
No relatório, a que a Gazeta teve acesso pode ler-se que “a investigação aponta como causa mais provável para o evento, a posição indevida do trem de aterragem na configuração para aterragem no solo” e é adiantado que “pelo facto do trem de aterragem se encontrar na posição estendida, quando em contacto com a água, a aeronave roda sobre o seu eixo transversal pelo momento criado na zona das pernas do trem dianteiro, tendo retomado a posição horizontal”.
O relatório do GPIAAF identifica como fatores contributivos para o acidente que “o trem de aterragem não foi recolhido na descolagem em Proença-a-Nova devido a interrupção dos procedimentos causada por comunicações de missão (CMA); a carga de trabalho do piloto nos 10 minutos de voo entre a descolagem e o ponto de recolha de água não permitiram uma concentração completa nas tarefas essenciais de condução do voo; as barreiras e procedimentos em vigor para evitar a incorreta configuração do trem não foram eficazes”.
Perante isto o GPIAAF alerta que “o projeto e complexidade da aeronave para permitir uma aplicação polivalente da mesma em múltiplas missões, incluindo a configuração anfíbia, obriga a uma gestão atenta, sequenciada e cuidada das configurações por parte do piloto. A operação conjunta de múltiplos sistemas de missão e de voo levam ao extremo a carga de trabalho da tripulação. Esta operação mono-piloto tem inevitavelmente riscos associados à gestão do voo, que embora minimizados com um treino exaustivo e o seguimento escrupuloso dos procedimentos padrão, não são totalmente mitigados, sendo ainda assim aceites pelas autoridades de certificação em categoria restrita, apenas pelo tipo de missão que desempenham”.
Acrescenta que “no evento em análise, a intensa utilização de frequência rádio para o objeto da missão terá contribuído para o desvio da atenção do piloto”.
Tudo para referir ainda que “as tarefas acessórias à condução do voo, independentemente do tipo de aeronave, não se podem sobrepor ou influir nas tarefas de condução do voo, sejam elas um simples discurso aos passageiros ou, mais complexas, como a manobra de carga suspensa nas aeronaves de asa rotativa. As missões que requerem multifunções e exigem do piloto atenção e ação que não as que foram estipuladas nos parâmetros de projeto, devem ser avaliadas e mitigadas pelo operador”.
Pode também ler-se que, “de igual forma, as constatações da investigação evidenciam a conveniência na restrição do uso de comunicações não essenciais ao voo nas fases entendidas como críticas, num paralelismo com a prática do denominado “cockpit estéril” evitando o desvio de atenção para tarefas não essenciais à condução do voo. Por outro lado, nenhuma das três barreiras em prática nos procedimentos do operador para mitigar o risco de operação indevida do trem foi eficiente na quebra da cadeia de acontecimentos. O procedimento standard aprovado de dizer em voz alta “four blue” terá sido executado sem ação efetiva ou qualquer significado na interpretação da leitura visual. O facto de o piloto referir “four blue” quando se referia à condição do trem, e provavelmente devido à carga de trabalho e o inerente desvio de atenção, não se pode excluir a possibilidade de o piloto não associar à cor efetiva pelo facto de não estar a usar a sua língua nativa. A linguagem aeronáutica em língua inglesa foi, aliás, um dos fatores analisados e demonstrado como não efetivo nas comunicações com o serviço de informação de voo”.
Por tudo isto o GPIAAF realça que “as evidências sugerem a necessidade de o operador proceder a uma avaliação do nível de inglês aeronáutico das tripulações e estabelecer um nível mínimo de inglês técnico aeronáutico efetivo para um standard ICAO nível IV ou superior”, bem como que “o procedimento de confirmação cruzada da posição do trem entre as aeronaves carece de revisão por forma a que a mensagem seja clara sobre trem em cima ou em baixo, eliminando a condição de “em trânsito”, pouco inequívoca”.
Recorde-se que o acidente se registou ao início da tarde de dia 3 de julho, com o relatório do GPIAAF a descrever que “uma parelha de aeronaves Air Trator Fireboss de combate aos incêndios ao serviço da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), com indicativo de operação A7 e A8, após chamada do Centro de Meios Aéreos (CMA) descolaram da sua base terrestre em Proença-a-Nova às 15:32 UTC para uma missão na localidade de Abiul, Concelho de Pombal, Distrito de Leiria. A des-colagem foi normal rumo à Barragem de Castelo de Bode para abastecimento de água no ponto de recolha de água número 38 pré-estabelecido pela AENPC”.
É igualmente descrito que “quando a aeronave toca na água, o piloto sente um forte impacto provocado pela desaceleração brusca da aeronave” e, mais à frente, que “o piloto do A8 acidentado recolhe alguns itens soltos na cabine, sai do cockpit e ainda tem tempo de telefonar às operações reportando o sucedido”.
O relatório avança que, “entretanto, a aeronave continua a submergir na albufeira e o piloto nada até à margem”, sendo que “saiu ileso, tendo a aeronave sofrido danos substanciais no motor e hélice, a separação dos flutuadores e deformação da fuselagem e asas. Posteriormente a aeronave foi considerada destruída”.
Já é relação ao piloto, de 49 anos, de nacionalidade espanhola, é referido que “estava devidamente autorizado a realizar o voo de acordo com a legislação atual, contando com mais de 4.300 horas de voo no total e 1.200 no tipo da aeronave acidentada”, assim como que “não há indícios de que qualquer condição médica tenha intervindo negativamente na ocorrência”.
António Tavares