Edição nº 1621 - 15 de janeiro de 2020

Maria de Lurdes Gouveia Barata
A ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO VAI DESAPARECER?!

O final do último trimestre trouxe-me várias inquietações, mas, entretanto, chegaram as festas natalícias com a agitação usual. Apesar disso, uma das tais inquietações vinha persistentemente ao de cima. De tal ordem, que lembrei tempos de menina e resolvi fazer um pedido ao Menino Jesus, que partilhei no final do meu artigo anterior: que a projectada reestruturação do Instituto Politécnico de Castelo Branco não se concretize! Como tenho tendências para acreditar nas artes mágicas desse Menino, a esperança de realização do meu pedido não morreu…
É realmente sobre a já tão badalada reestruturação do IPCB que quero falar, todavia voltada para a Escola Superior de Educação, em que me sinto enraizada: lá aprofundei raízes profissionais de formadora de professores, lá criei afectos que sustentaram o vínculo de um gosto e de uma realização. Corria o ano lectivo de 1985-1986, estava já ligada a profissionalização de professores desde 1979 e entrei na E.S.E. para a continuação desse trabalho. O Instituto Politécnico de Castelo Branco tinha duas escolas superiores: a Escola Superior Agrária e a Escola Superior de Educação – duas áreas bem definidas. As Escolas Superiores de Educação haviam sido criadas para formarem professores para todo o ensino básico (do 1.º ao 6.º ano de escolaridade, inclusive) possibilitando, igualmente, a formação contínua. A sua inserção no ensino superior levaria à extinção das Escolas Normais de Educadores de Infância e das Escolas do Magistério Primário, coerente com a melhoria que se desejava para o pessoal docente. Envolvi-me na formação inicial e a partir de 1988 estava na carreira dessa instituição. Sempre fui professora por forte vocação e profissionalmente estava no caminho certo. Não sei calcular agora quantos professores ajudei a formar, mas a E.S.E. formou milhares.
A via profissionalizante do ensino politécnico constituiu, no que diz respeito à Escola Superior de Educação de Castelo Branco, um contributo para professores de elevado desempenho, com fama nacional, disso há testemunhos.
Em qualquer programa de formação inicial de professores a prática pedagógica é considerada uma questão nuclear devendo, por isso, adquirir e ocupar um significado curricular determinante. Outros cursos foram criados para além da formação de professores, sobretudo quando a crise de demasiados diplomados no desemprego afastou possíveis alunos de candidatura a professores, principalmente nas variantes de 2º ciclo. Ainda hoje se mantém formação para 1º ciclo. Todavia, em breve (cinco, seis anos?), prevê-se a falta de professores no terreno e esperemos que não aconteça o mesmo que se deu nos anos trinta do século XX: formaram-se os regentes escolares, sem preparação, para acudir à falta de professores, embora o que mais interessasse na missão do Estado Novo fosse ensinar a escrever, ler e contar. Interessava não pensar. Em 1942, são reabertas as Escolas do Magistério Primário de Lisboa, Porto, Coimbra e Braga.
Não me querendo perder em a propósito de formação de professores, retomo a expressão da minha interrogação de espanto, quando deparo com a hipótese de a Escola Superior desaparecer! Pela informação conseguida, desaparece mesmo! Basta desaparecer o nome! O pessoal docente e não docente é espalhado por duas outras escolas e no sítio da E.S.E. fica a Escola de Informática e Gestão de Negócios (fusão de ESGIN (em Idanha) com a EST (Escola Superior de Tecnologia). Já não há E.S.E. – passa a haver a ESIG. No dia do aniversário da Escola Superior Agrária, o director João Pedro Várzea bem clamou que era retirada a identidade histórica a essa instituição ao suprimir o vocábulo agrária – é que passará a chamar-se Escola de Tecnologia e Inovação Territorial (ESTIT – ui, até parece uma doença…) – o Director da ESA tem muita razão.
Pelo que consta, a reestruturação prevista faz o caminho estranho de partir de departamentos para a criação de escolas e não o contrário. Tive a alegria, enquanto docente da E.S.E., de assistir à criação de mais quatro escolas, perfazendo as seis que hoje integram o IPCB. Era a alegria do crescimento, da expansão e da cobertura de áreas diversificadas. Se os que me lerem repararem bem, as novas escolas a criar abrangem predominantemente tecnologia e informática.
As ciências humanas ou humanidades gerem disciplinas como Filosofia, História, Geografia, Antropologia, Ciência das Religiões, Arqueologia, Línguas, Literatura, Filologia, https://pt.wikipedia.org/wiki/Teologia entre outras. O seu objectivo é formar humanamente, para entendimento do homem e da sociedade. A E.S.E. foi sempre vocacionada para tal. Alguns, à boca pequena, atrevem-se a dizer que os estudos humanísticos não servem para nada…
Houve colegas que responderam à minha indignação perante a hipótese de desaparecimento da E.S.E.: anda que isso não passa dum estudo… Mas isto poder estar num estudo já é muito grave…
Muito fica ainda por dizer! Acrescento palavras de Manoel de Oliveira durante uma entrevista: «Sem identidade não se é. E a gente tem que ser, isso é que é importante. Mas a identidade obriga depois à dignidade. Sem identidade não há dignidade, sem dignidade não há identidade, sem estas duas não há liberdade». Eu só espero que um Menino Jesus me atenda…
Professora-Coordenadora aposentada da Escola Superior de Educação
Ex-membro do Conselho Geral do IPCB

15/01/2020
 

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