Valter Lemos
O FECHO DAS ESCOLAS E A DESIGUALDADE
A crise sanitária provocada pelo coronavírus implicou o encerramento das escolas de todas as escolas dos diversos níveis de ensino.
Numa primeira reação a administração educativa pediu aos professores para usarem meios virtuais na continuação do processo educativo. Assim, numa primeira fase, os professores começaram a enviar fichas, textos e exercícios por mail para os alunos. E logo aí começaram os primeiros problemas. Afinal há alunos que não têm mail ou mesmo internet e muitos não têm computador ou, ainda em maior número, impressora para receber e desenvolver as tarefas definidas e comunicar com os professores.
Mesmo no ensino superior, onde os problemas são compreensivelmente menores, não deixa de haver muitos alunos com problemas de acesso à tecnologia indispensável para ensino e aprendizagem virtual.
Mas no ensino básico e secundário a questão é especialmente grave. Porque coloca de forma aguda a questão da igualdade de oportunidades e da equidade no tratamento que enforma constitucionalmente o sistema educativo português e é o elemento mais intrinsecamente definidor da escola pública no nosso país.
A substituição do ensino presencial por ensino virtual provoca, pois, um brutal crescimento das desigualdades escolares. Tendo em conta que se mantém presente no sistema educativo português uma significativa relação entre as condições de origem social e as desigualdades escolares, isto tem, como efeito concreto, que os alunos com mais debilidades socio-escolares à partida ficam ainda mais prejudicados e a distância entre eles e os que detêm melhores condições aumenta ainda mais.
A substituição generalizada do ensino presencial por ensino virtual é assim um passo enorme na ampliação das desigualdades escolares.
Dir-se-á que, neste momento, face à prioridade sanitária é indispensável fechar as escolas e, portanto, a situação é inevitável. Até pode assim, mas não é possível simplesmente ficar plasmado à espera que aconteça. Isso implica que o Ministério da Educação encontre medidas rápidas e efetivas que contrariem tal efeito.
Vem a propósito relembrar que há mais de uma década foi posto em andamento um plano tecnológico de equipamento de escolas, professores e alunos que tinha precisamente em vista generalizar e democratizar o acesso à internet, aos computadores e às tecnologias de comunicação.
Simplesmente tudo isso parou. Primeiro foi a crise financeira. Depois foi a diabolização de Sócrates e, a reboque, também das suas políticas de modernização (tecnológica, ambiental, científica, etc.). Depois foi a falta de visão sobre a importância vital dessas apostas para o país, depois foi a inação. E agora aqui estamos, com milhares de alunos mais pobres, economicamente mais fracos e culturalmente mais débeis a sofrerem um processo de exclusão de uma escola que os responsáveis proclamam mais inclusiva.
Se esta situação de encerramento das escolas e do ensino presencial se prolongar por bastante tempo o processo escolar em curso constituir-se-á como uma enorme fábrica de criação de desigualdade e exclusão.
Espero que o Governo esteja bem consciente do que está a passar-se e espero também que aqueles que criticaram e ridicularizaram o investimento na difusão e democratização de meios tecnológicos na população escolar tenham consciência do que significou a desistência da continuação desse processo. Se o mesmo tivesse continuado, certamente que, hoje, não estaríamos tão preocupados com a situação e seria muito provável que, passado uma dúzia de anos, o trabalho e conexão tecnológica estivesse acessível a todos os alunos e fosse já uma rotina entre professores e alunos.