Valter Lemos
A VÃ GLÓRIA DE MANDAR
Em política o exercício do poder é uma questão central. Não quer dizer que a política se resume ao uso do poder, mas este, sendo um meio para realizar os atos de governação é também um fim, porque a sua ausência coloca em causa a existência dos próprios objetivos da política, ou seja, a administração do bem público.
Assim o poder tanto pode ser predominantemente entendido como um meio de ação ou como um objetivo em si mesmo.
Quantas vezes não ouvimos dizer que o objetivo dos partidos, organizações ou dos próprios políticos é “ganhar” ou “atingir” o poder? Quando concordamos com a afirmação estamos, no fundo, a assumir que a finalidade da política é “ter poder”, ou seja que o exercício do poder é um fim em si mesmo e não um meio para a administração da coisa pública.
Nos discursos públicos os políticos referem sempre que o exercício do poder não é um fim em si mesmo, mas um meio necessário para a consecução essencial da ação política que é promover o bem comum, mas, nos partidos e nas organizações públicas e políticas, analisa-se o acesso, a distribuição e o usufruto e a conservação do poder, mais do que a realização do bem público.
A configuração do poder como um fim em si mesmo, em política, tornou-se o ómega de uma parte significativa da ação política, sendo-lhe, muitas vezes nas organizações, dedicados mais atenção e recursos do que à administração da coisa pública propriamente dita.
Porque têm crescido desmesuradamente nas organizações do Estado e nas autarquias os recursos dedicados à informação, imagem, assessoria política, etc.? A resposta que é dada pelos políticos responsáveis por isso é a de que é necessário comunicar eficientemente o que se faz. Ora se a ação política se faz na e para a sociedade, faz sentido assumir que os visados não dão por isso?
Na verdade, todos sabemos que o crescimento dessas estruturas se deve mais à consecução de ações e estratégias de propaganda, doutrinação, promoção do chefe, etc., com objetivos de legitimação do uso e conservação do poder e não de informação sobre a res publica.
No ruído imenso que hoje é a política, local, nacional ou internacional, como distinguir afinal os políticos que privilegiam o poder como meio de ação e aqueles que o identificam como objetivo final?
Nos discursos e intervenções públicas é muito difícil, porque os segundos nunca dizem ao que vão. Na ação, no entanto, é um pouco mais fácil. Alguém, há alguns anos me disse que os políticos são como os melões, só depois de abertos conseguimos saber a sua verdadeira qualidade. Como concluir então das ações dos políticos a respetiva convicção sobre o poder?
Um dos aspetos mais relevantes é na escolha dos colaboradores. Os políticos centrados no poder como finalidade escolhem sempre em grupos restritos (família, grupo dentro do respetivo partido, seita, associação, amigos, grupo social de inserção), não escolhem por qualidades intelectuais ou profissionais, escolhem por características de relação ou laços de ligação (fidelidade pessoal, amizade, ambição, etc.).
Outro aspeto relevante é a relação com os administrados. Os políticos centrados no poder estabelecem uma relação de favor com os administrados. Todas as ações são realizadas e todas as decisões são comunicadas como se de um favorecimento se tratasse. Aos destinatários é dito “não se esqueça que fui eu”, “tenho especial apreço por si”, “podia ter decidido de outra maneira, mas…”, “ainda lhe irei bater à porta”, etc.
Estes políticos têm também dificuldade em assumir planos complexos de longo prazo, porque sendo a sua estratégia centrada na conservação do poder, as ações a realizar não podem ser assumidas como finalidades limitando-se a assumir um papel tático e provisório.
Ainda assim podemos verificar que nos políticos centrados no poder existem dois tipos diferentes: os que perseguem objetivos materiais de índole pessoal ou de grupo organizado e os que querem… somente a vã glória de mandar.
Mas isso fica para outra ocasião.