Maria de Lurdes Gouveia Barata
O ANO DE 2021 E O FUTURO
Está frio. O dia de sol, o céu muito azul, azul carregado, como se tivesse o peso do frio. Quem havia de dizer que há dois ou três dias tudo era cinzento, de carranca, com fiapos de neve que quase não se viam. É Janeiro. Ainda nem em meio vai. Ano Novo. Já deixámos o 2020 horrível, era bissexto, para mim caso de embirração. Quando dealba um Novo Ano parece encher-se de outra esperança e da crença de que tudo vai melhorar. Por isso o champanhe da passagem tem bolhinhas mais douradas, que brilham no olhar e animam o corpo, aquecem, dispõem bem. Mas nesta tarde de sol, de azul frio e de vento, que a torna mais gelada ainda, as mortes por Covid, o aumento brutal do número de infectados, a aflição dos hospitais, embaciam a esperança, ameaçada ainda pela nova variante do vírus. A vacina? É evidente que é a tão propalada luz ao fundo do túnel, mas numa paciente espera de desenvolvimento da vacinação, que desespera…
Leio artigos em revistas, que falam muito do futuro. Todos projectamos um futuro próximo e um futuro a longo prazo. Todavia, agora, no primeiro caso está sempre a barreira Covid com um quotidiano que ainda nos custa aceitar (vêm as saudades dum tempo despreocupado, com abraços, gargalhadas descuidadas e confiantes, segredos ciciados junto do rosto, tempo de tecer o que apetece…).
Falar do futuro é ademais falar de uma recuperação depois de apaziguarmos do vírus (talvez não totalmente), uma recuperação económica, social e cultural. Difícil. Na revitalização da economia, esperemos que não se esqueça o problema do planeta, a poluição e as alterações climáticas. O vírus é planetário (e um bocado culpa de se andarem a meter com a Natureza…). O clima é planetário. E é uma das angústias que eu tenho, já o disse várias vezes, que todos devemos ter, porque a Casa que possuímos é este planeta Terra. É só observar os fenómenos extremos e repentinos e assustadores e destruidores no cerceamento de bens e vidas humanas. Sente-se o planeta com uma tossezinha contínua, alérgica (à acção dos homens), que se transforma, nalguns pontos geográficos, em tosse brônquica… Será que os poderosos que só vivem com ganância não se apercebem que a melhor herança que podem deixar aos filhos herdeiros é a de um planeta limpo e saudável?! Será cegueira de estupidez ou uma hipócrita e deliberada distorção da realidade, a que se considera enquanto eu cá estou?!
Espanha teve o nevão do século. E vamos para a rua desfrutar a beleza, e sejamos dezenas nas brincadeiras da neve… nem levo máscara para respirar melhor… e há o egoísmo do prazer… Li, na penúltima revista Visão, um artigo, que me impressionou, sob o tema «a dor de infectar alguém». Testemunhos vários de pessoas que tinham levado o vírus para casa, sem culpa, mas assumindo-a dolorosamente. No entanto, estranho que haja quem, egoisticamente, não se prive duma festa clandestina, nomeadamente jovens, que depois vão para junto da família onde há pessoas idosas e costumo interrogar-me sobre a formação que apreenderam. Será que os pais se demitiram? Ou outros formadores? A mudança de comportamento vem duma acção pedagógica, que parece não colher fruto nos casos referidos. Os cuidados aconselhados para prevenir a disseminação do vírus parecem cair em terra maninha. Sei, aliás sabemos todos, como é difícil privarmo-nos do convívio, das diversões, da relação efusiva com os outros. Temos responsabilidade connosco e com esses outros. Será que se agudizou a indiferença?
As atitudes humanas são o fiel do bem estar comum e do bem estar do planeta que habitamos. Falar do futuro no princípio de 2021 é falar com relevo de atitudes humanas. Julgava eu que nunca mais me ia referir a Donald Trump e vem-me de novo ao pensamento! A invasão do Capitólio, que a sua atitude incentivou, se não a sua estupidez, por puro egoísmo, num último esforço de retenção do poder. Falar de Donald Trump é falar de todos aqueles que discriminam, abrem fosso entre os seres humanos, instauram desigualdades, não olham a meios para atingir fins – inconfessáveis.
Bem, não me devia ter posto a escrever hoje. Não é nada o meu estilo escrever negativamente. Por isso acrescento: falar do futuro deve ter por base constatar que também há homens bons, altruístas, a lutar por grandes causas como as do planeta, como as das injustiças, como as da ciência em prol do bem da humanidade, como as que fazem depender a felicidade pessoal da felicidade dos outros, com os valores da igualdade, fraternidade e liberdade, consagradas nos grandes feitos de grandes seres humanos.