António Nunes Farias
UMA REVOLUÇÃO A CAMINHO DA REFORMA
Quarenta e sete anos depois…é o que é. Portugal é o país que é. Disse Ferro Rodrigues nas comemorações, na casa da democracia que “…naquela maravilhosa manhã…”. Mas disse mais, que de lá para cá a coisa mudou, (palavras minhas). Pudera, quarenta e sete anos depois…
Tinha oito anos quando a coisa se soube, se bem me lembro, ia a caminho da Escola Central. Ainda apanhei o polícia sinaleiro no Pelourinho. A ditadura, obviamente passou-me ao lado. Fui crescendo e fui operacional numa juventude partidária durante alguns anos. Fui ganhando consciência política. Colei cartazes, muitos e coloquei pendões com o Cardoso, o Aníbal, o Vasco, o Pessoa e tantos outros. Foram muitas horas no Centro de Trabalho do PCP da Covilhã, por Abril. Queria um país diferente daquilo que me contaram sobre o passado: acabar com os bufos da PIDE, colocar em fuga os professores primários do Estado Novo que ofereciam a palmatória, que dividiam os alunos em turmas de “queques” e dos pobrezinhos. Que me lembre, já não apanhei a carantonha de Salazar mas, julgo, não faltava…o crucifixo na parede.
Então era aproveitar a Revolução. Mudar as coisas. Viver a liberdade, intervir. A luta à época foi tempo bem gasto. Foi uma escola para a vida. Fui abrindo os olhos. Cresci deixei-me de colar cartazes e de colocar pendões.
Quarenta e sete anos depois da “...aquela maravilhosa manhã…” resultou muito pouco. O povo unido ficou desiludido. Num país com idade para ter juízo, a Constituição de 1976 continua a ser o que deveria ser mas cada vez mais longe de o ser. É triste, quarenta e sete anos depois. O despertar para os tempos da liberdade torna-se cada vez mais velho. Os “velhos” tomaram conta do país. Os “velhos” que souberam aproveitaram a mudança para proveito próprio com o “povo, a democracia e a liberdade” a encher-lhes a boca quando dá jeito. Ao seu jeito são os mesmos “velhos” que cansam o povo nos telejornais, em colunas de jornais ou em comentários na rádio. Os “velhos” de sempre. Os “velhos” do costume que o povo permite porque já não é suportável ouvi-los. É deixá-los, por isso. Má estratégia essa, “…aquela maravilhosa manhã…” continua a resultar em fantástica para poucos e uma desilusão para muitos.
Quarenta e sete anos depois o país que canta liberdade conta também com um batalhão cada vez maior de pobres, sem abrigo, famílias despejadas, falta de oportunidades, emigração, justiça a várias velocidades e uma lista de corruptos e corruptores de meter inveja a muitos. Eis o país da pequena revolução, da liberdade q.b. e do desânimo. Um país que não se governa nem se deixa governar, bem. Um país que desperdiça oportunidades, que enfraquece instituições, (garante do à vontade de quem deveria governar bem e governa mal). O contrato social pós-revolução tem vindo a ser rasgado aos bocadinhos, devagarinho e isso é algo que o pessoal já nem nota porque a política que é de todos passou a ser o feudo de alguns: aqueles que vivem à conta dela. Que se amanham na vida por causa dela. Que traem amigos por ela. São as lapas da política, os do costume com vocação, já se vê, para deixar descendência.
Quarenta e sete anos depois os cravos tendem a murchar assim como a esperança de tornar Portugal num país diferente. Tantos anos depois e com um cravo na mão ou na lapela está instalada uma espécie de Bilderbergs sempre à portuguesa, ou seja, sem secretismos, tudo às claras, mas de cravo.
Há uma garantia, porém. Para o ano, com ou sem máscara acontecerá mais uma sessão solene do 25 de Abril, na casa da democracia e mais um balanço de décadas perdidas em discursos gastos de políticos gastos, velhos ou então, de novos, fajutos e promissores salvadores da pátria.
Haja saúde e algum dinheiro no bolso até lá.
O povo, esse, continuará sereno. E eles sabem isso.
Castelo Branco, 25 de abril de 2021