Maria de Lurdes Gouveia Barata
ERVAS DANINHAS
Andei a arrancar as ervas daninhas dos vasos de uma das minhas varandas. Gosto das minhas plantas – são pedacinhos da Natureza que tenho mais perto de mim – e preocupo-me às vezes com a verificação de estarem bem. À medida que ia tirando as ervas daninhas, para que não prejudicassem o desenvolvimento das plantas, comecei a ter pena de algumas das que arranquei pela raiz: eram bonitas, até hesitei com uma que tinha umas flores pequeninas, graciosas, que pareciam ter sorriso de simpatia, tinham direito à vida que lhes interrompia. Sempre tive a sensação de que as plantas da nossa proximidade nos conhecem, nos olham, sofrem com agressões (e faço esta afirmação sabendo os riscos de ser considerada amalucada por alguns).
Pus-me a pensar nas ervas daninhas, que prejudicam, causam dano. Resolvi esclarecer uma caracterização que me acompanhava desde a escola primária e da relação quotidiana: nascem espontaneamente em local e momento indesejados, podendo interferir negativamente na agricultura. São invasoras, de crescimento rápido, bem adaptadas ao clima, detentoras de longevidade, mas consideradas em muitos casos uma praga no âmbito do que o homem pretende. Isto porque, em contrapartida, as consideradas ervas daninhas também podem ser utilizadas a favor do homem para curas com chás, como dente de leão, beldroega, cavalinha, urtiga e outras que se tornam úteis… Mas como não estou aqui para fazer um estudo de botânica, não vou esgotar a nomeação de ervas daninhas.
Separar o trigo do joio é uma expressão usual para expressar o mal (o joio, que cresce nos campos de trigo, semelhante ao cereal, que prejudica, pode ser mesmo perigoso como tóxico para o homem) e o bem (que é o trigo como fonte de alimento). Eis-nos, assim, perante o sentido figurado da linguagem. Uma das parábolas de Jesus no Novo Testamento fala dessa erva daninha, que é joio e prejudica o trigo, que vou transcrever com alguma adaptação:
«O reino dos céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo. Mas enquanto os homens dormiam, veio um inimigo dele, semeou joio no meio do trigo e retirou- -se. Porém, quando a erva cresceu e deu fruto, então apareceu também o joio. Chegando os servos do dono do campo, disseram-lhe:
- Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? pois donde vem o joio?
Respondeu-lhes:
- Homem inimigo é quem fez isso.
Os servos continuaram:
- Queres, então, que vamos arrancá-lo?
- Não, respondeu ele, para que não suceda que, tirando o joio, arranqueis juntamente com ele também o trigo. Deixai crescer ambos juntos até à ceifa; e no tempo da ceifa direi aos ceifeiros: Ajuntai primeiro o joio e atai-o em feixes para o queimar, mas recolhei o trigo no meu celeiro.» (Mateus 13:24-30)
Se a parábola conduz o ensinamento de separação dos justos e dos pecadores (e mereceria mais alargada interpretação), serve uma maior abrangência, a do bem e a do mal, numa perspectiva mais genérica. E entramos mais uma vez no sentido figurado que se envolve com ervas daninhas. Os exemplos são muitos, um sem número no mundo que vivemos neste agora. Embora de todos os tempos, o boato é uma erva bem nociva, sobretudo se pensarmos no âmbito de lutas partidárias e quando se trata de conseguir poder, não se olhando a meios para conseguir determinados fins. Há um extracto duma obra (Em Teu Ventre) de José Luís Peixoto que não resisto a transcrever: «Uma mentira é como uma semente daninha, é espontânea e sem lei, pode cair em qualquer terreno. Aí, germina à pressa, agarra-se a qualquer torrão de terra e chupa tudo o que pode, rouba tudo o que for capaz.». Na verdade, da mentira pode quase sempre nascer o boato, se essa mentira cai em terreno fértil, como é o da maldade pelo gosto sádico da maledicência e da perfídia, quase sempre ligados a hipocrisia e a inveja. A mentira repete-se de boca em boca e transforma-se em boato, que se tornou uma arma para vencer uma guerra. É o efeito das fake news, um problema sério nos nossos dias. Bem disse Aristóteles que «o menor desvio inicial da verdade multiplica-se ao infinito à medida que avança».
Quem não tenta extirpar da sua companhia alguém que trai com facilidade, que mente em prol dos seus interesses ou por simples inveja, quando descobre que se relaciona com um medíocre em quem não pode ter confiança e que por isso se torna uma erva daninha na sua vida? Trump não foi uma erva daninha enquanto presidente? Bolsonaro não é uma erva daninha?
Mas as ervas daninhas também se vencem. E há muitos homens bons, como há colheitas boas, mesmo que tenham existido ervas daninhas. Termino com Miguel Torga (Diário IV, 16 Junho 1947): «Sobretudo, não desesperar. Não cair no ódio, nem na renúncia. Ser homem no meio de carneiros, ter lógica no meio de sofismas, amar o povo no meio da retórica». É sempre bom terminar com alento.