Edição nº 1707 - 15 de setembro de 2021

Maria de Lurdes Gouveia Barata
SETEMBRO 2021 - LUZ E SOMBRA

Quando Setembro chegava numa rotina de sucessão de anos, dizia-se que vinha o cheiro a regresso – regresso de férias, de montanha ou de praia, ou de maravilhosas cidades do mundo com outras paisagens, monumentos e museus visitados, para além do conhecimento de povos diferentes. Também regresso às aulas, trazendo um cheiro a lápis e cadernos, a livros novos, regresso acarretando uma saudade de escola, de colegas, com abraços que esmagavam a separação de Julho e Agosto. Despertava um certo entusiasmo perante o trabalho de mais um ano lectivo, depois de uma divagação do olhar por outros horizontes em que havia linhas de mar e céu, linhas de cumes verdes no azul, muito sol que ajudava a um bronzeado de apresentação.
Este Setembro de 2021 traz igualmente regresso, mas um regresso de manifestação diferente: sorrisos e risos também alegres, mas por detrás das máscaras, cotovelos e braços que se unem a matar saudades, alguns abraços atrevidos e ilegais por causa do distanciamento recomendado pela DGS, que o estafermo do vírus ainda anda por aí… O regresso às aulas será com certificado digital de vacinação Covid ou teste recente comprovativo de não ser hipotética fonte de contágio…
As ruas da cidade começam a agitar-se de modo diferente, animam-se mais por desconfinamento progressivo, as máscaras continuam por enquanto, espiam-se diariamente os números dos novos infectados e de mortos. As notícias trazem ainda alguns retrocessos de confinamento noutros países do mundo. Há novas variantes e não nos libertamos de uma preocupação que subjaz aos sorrisos de acreditar num tempo melhor. O bulício deste Setembro de regresso traz alaridos das eleições autárquicas em Portugal, os cartazes aí estão, as notícias dos canais televisivos e os jornais aí estão. As redes sociais aí estão, para o bem e para o mal.
Todavia, há sombras neste Setembro do regresso, que inquietam qualquer ser humano habitante deste planeta Terra (que é o que conhecemos habitado…): as alterações climáticas que se manifestam na desgraça das cheias, dos tufões e dos furacões cada vez mais frequentes e violentos, com imagens de devastação pelo mundo e também perto de nós, como as de Itália, Bélgica e Espanha. O mundo estremece em fogo de incêndios incontroláveis, destrutivos de vidas e haveres que sustentam o quotidiano. O aquecimento pelo efeito de estufa, e grande culpa do homem distraído com ganâncias (inconsciente, porque não se dá conta de quão passageiros são os bens materiais), prevê que a temperatura média global poderá aumentar de 1,8º C a 4º C até 2100 (segundo algumas estimativas), podendo ocorrer alterações irreversíveis e catastróficas. Já estamos a assistir hoje aos impactos da alteração do clima e prevê-se que se tornem cada vez mais evidentes com situações meteorológicas extremas, ocorrendo ondas de calor, secas, inundações cada vez mais intensas. O derretimento de neves eternas e do gelo levará a uma subida cataclísmica do nível do mar. Tudo se tornará progressivamente mais funesto para a humanidade. Não basta falar, é urgente agir. Que o faça quem tem esse poder e que me exija o que eu tiver de cumprir da minha responsabilidade.
Uma outra sombra negra faz obscurecer a claridade de um Setembro com sol, que é a tragédia do Afeganistão. A fuga de afegãos, que o medo conduz, o horror de perseguições e de possíveis vinganças, o retrocesso dos direitos humanos, pondo em relevo os que dizem respeito às mulheres (que são integradas em seres humanos de segunda categoria) não podem deixar indiferentes os que vivem num mundo que usufrui da preciosa liberdade. Quando assistimos ao que se passa em Cabul, quando ouvimos que as mulheres podem ser impedidas de frequentar a escola e as universidades e de ter continuidade nos seus locais de trabalho, quando a música é proibida, com excepção da música religiosa (aliás, foi assassinado o cantor folclórico Fawad Andarabi), quando há intimidação a membros da comunicação social, e o que mais se verá, os nossos olhos abrem-se de espanto interrogativo de como é isto possível no século XXI.
Deixo o excerto de um poema de Bertold Brecht «De que serve a bondade» (in Lendas, Parábolas, Crónicas, Sátiras e outros Poemas, tradução Paulo Quintela):
1
De que serve a bondade
Quando os bondosos são logo abatidos, ou são abatidos
Aqueles para quem foram bondosos?

De que serve a liberdade
Quando os livres têm que viver entre os não-livres?
(…)
2
Em vez de serdes só bondosos, esforçai-vos
Por criar uma situação que torne possível a bondade, e melhor;
A faça supérflua!

Em vez de serdes só livres, esforçai-vos
Por criar uma situação que a todos liberte
E também o amor da liberdade
Faça supérfluo!
(…)

15/09/2021
 

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