Edição nº 1752 - 27 de julho de 2022

Elsa Ligeiro
TEMPO LIVRE

A leitura é a mais bela ocupação do nosso tempo livre.
Há um mito que cresce (ajudado pelos meios de comunicação) que o tempo de férias é o tempo que os portugueses dedicam à Leitura.
Tempo em que compram livros em livrarias, feiras ou hipermercados e os levam para o lugar onde viverão livres do trabalho e das convenções sociais.
Num tempo totalmente dedicado ao prazer de existir, sem qualquer pressão, graças ao subsídio acumulado ao longo de onze meses que lhes permitirá durante um mês a vida em pleno, onde o Tempo de Leitura e do Livro ocupará um espaço importante no seu território de liberdade.
Não há na língua portuguesa definição mais manhosa do que a do Tempo Livre.
A liberdade desse tempo será o do ócio, separado gramaticalmente do tempo dedicado ao negócio. Onze meses de negócio contínuo, com horário de trabalho, folgas e pontes; de contratos renovados; e créditos que permitem a casa, o automóvel; e, ó ironia, até aquela viagem de sonho a um país exótico; no aproveitamento feliz do seu tempo livre.
As roupas exóticas são a imagem de marca do Tempo Livre. As gravatas, as saias justas e os saltos altos representam a formalidade necessária ao negócio; os chapéus, saias rodadas, lenços e acessórios chamativos, a marca do Tempo de Livre.
A mochila (às costas ou na mão) tem, gradualmente, ocupado o espaço reservado ao negócio, numa imagem alternativa; e dando a quem a usa uma marca híbrida de liberdade.
Nem negócio nem ócio; um meio termo. Ter um pé no negócio e outro no ócio como uma pequena liberdade conquistada pelo pensamento alternativo.
Já se vêem CEOs de mochila às costas a caminho de reuniões com os seus diretores que representam cada um dos seus interesses aglutinados (sim, de glutão) graças às maravilhas do negócio. Também despem o casaco e exercem o poder em mangas de camisa, apoiando-se no ar jovial e colaborativo de quem não está a tratar do seu negócio.
Nas férias, altar-mor do Tempo Livre, os livros levam-se na mala (depois de os mostrar aos amigos no Instagram) para as praias de mar ou fluviais.
Os alternativos também escolhem a aldeia dos avós onde reconstruiram casas com relva imaculada, piscina, e ar condicionado; tudo com a ajuda do banco e dos lucros que os bons negócios da cidade lhes proporcionaram.
Exibem a horta e os figos da figueira como um troféu do seu sucesso citadino, como os emigrantes, há décadas, faziam com o modelo recente do automóvel e a construção de moradias à moda do lugar onde trabalhavam.
Abrir um livro em férias é um sinal de viver em liberdade? E lê-lo?
Levar Maria Gabriela Llansol ou Rui Nunes para férias é escolher como companheiros autores que nos libertam do negócio; que nos acolhem numa liberdade maior que o pensamento (o deles) e nos empurram ao território da experiência da liberdade que no texto podemos ter, viver, usufruir. Que invade a privacidade mais íntima e destrói cronologias que nenhum relógio ou calendário conseguem fixar.
Regressar ao negócio é mais difícil depois da experiência literária que nos convoca a um mundo mais denso (e, ao mesmo tempo, extraordinariamente luminoso) em que o primeiro sinal de liberdade é o da narrativa sem distância ou velocidade.
É viver um tempo presente, o nosso; fora do tempo do negócio que nos confiaram e para o qual (afirmam) nascemos: o do trabalho de produção e de transporte de bens.
Muitos de nós nunca aprenderemos a funcionar fora do carreiro da formiga que corre corre como no poema do Alexandre O’Neill; e apesar da fatiota de cigarra alegre e foliona com que nos mascaramos nas férias; dificilmente será essa a nossa pele; muito menos o nosso interior e a nossa liberdade.

27/07/2022
 

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