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Edição nº 1753 - 3 de agosto de 2022

Guilherme D'Oliveira Martins
PORTUGUESES EM ROMA

Nos mais inesperados recantos de Roma, encontramos referências a portugueses, não apenas aos milhares de “romeiros” que, ao longo dos séculos, demandaram a capital da civilização, primeiro centro de peregrinação do ocidente, mas falo de quantos aqui viveram e tiveram influência, marcando a vida romana até aos nossos dias. E as expressões “à portuguesa” e “non fare il portoghese”, suscitam curiosidade, parecendo pejorativas. Significam, é certo, entrar sem pagar, mas partem de uma realidade histórica positiva, pois têm como base o privilégio dado pelo Papa Leão X, filho de Lourenço de Médicis, na sequência da majestosa e inesquecível Embaixada enviada por D. Manuel I ao Papa.
Em sua lembrança o Centro Nacional de Cultura regressou agora à cidade eterna, ao encontro da nossa história. Foi essa mítica embaixada de há seis séculos composta por mais de cem pessoas, chefiada por Tristão da Cunha, nomeado em 1505 primeiro governador da India, sendo acompanhado por Diogo Pacheco e João de Faria e tendo como secretário Garcia de Resende, o célebre poeta organizador do “Cancioneiro Geral”. Em 12 de março de 1514, a embaixada desfilou nas ruas de Roma com grande aparato, perante uma multidão entusiasmada e foi recebida pelo Papa no Castelo de Sant’Ângelo a 20 desse mês. Os emissários eram portadores de presentes extraordinários – pedrarias, tecidos, joias, cavalos persas, uma onça de caça, dois leopardos, um jaguar, papagaios e um elefante albino, de nome Hanno, que foi retratado por Rafael Sanzio, e que executou mirabolantes habilidades, ajoelhou três vezes perante o Pontífice e espargiu água sobre os membros da Cúria, para gáudio de todos. O paquiderme tornou-se mascote de Leão X, tendo morrido dois anos depois, com direito a sepultura no Pátio Belvedere do Palácio Apostólico e a um epitáfio escrito pelo próprio pontífice. No ano seguinte, D. Manuel tentou oferecer o rinoceronte, celebrado numa gárgula da Torre de Belém e na gravura de Dürer, recebido do Sultão de Cambaia e oferecido ao rei por Afonso de Albuquerque. Infelizmente, o rinoceronte foi enviado para Roma, mas não chegou vivo, recebendo Leão X o animal empalhado, em fevereiro de 1516. Foi em gratidão de tão sumptuosa homenagem, que o Papa Médicis concedeu aos portugueses o privilégio de poderem entrar em recintos públicos e espetáculos sem pagar, desde que se identificassem. Foram, porém, os abusos de muitos romanos, que falsamente se diziam portugueses, que deram à designação um sentido menos positivo. Mas este é apenas um dos muitos episódios que tornam presentes os portugueses em Roma.
Também D. João V, enviaria uma outra auspiciosa Embaixada, dirigida pelo 3º Marquês de Fontes, D. Rodrigo Almeida e Meneses, ao Papa Clemente XI (1716), integrando os três coches triunfais, que se encontram no Museu de Lisboa: do Embaixador, dos Oceanos e da Coroação, construídos em Roma. Foi, aliás, na sequência desta Embaixada que Lisboa passou a ter dignidade Patriarcal. E se falamos do período joanino, em que a cooperação artística atingiu um auge, lembramos os exemplos maiores do Cardeal D. Nuno da Cunha e Ataíde e do futuro Bispo do Porto Frei José Maria da Fonseca e Évora. Percorrendo as ruas romanas, mesmo sem falar de Santo António dos Portugueses, deparamo-nos na via del Corso com a memória do célebre Cardeal de Alpedrinha, D. Jorge da Costa, falecido aos 102 anos, servidor de 5 Papas e detentor de 7 títulos cardinalícios.
Próximo da via dei Condotti, na peregrinação romana, deparamo-nos com o “Albergue de Inglaterra”, um pequeno hotel na via Boca di Leone, número 14, que marcou o nascimento do turismo, onde estiveram o jovem D. Pedro V e o seu irmão D. Luís, de 26 de junho a 3 de julho de 1855, tendo ambos visitado o Papa Pio IX a 2 de julho, como se assinala, com pompa e circunstância, à entrada. Ruben Andresen Leitão, criterioso biógrafo (D. Pedro V – Um Homem e um Rei, 1950), explica-nos que “pela morte de D. Maria II, no dia 15 de setembro de 1853, devido à menoridade de El-Rei D. Pedro V, é estabelecida uma regência assumida por D. Fernando de Saxe-Coburgo pai do futuro Rei”. O jovem era menor de idade, pois tinha 16 anos incompletos por um dia, e o pai entende enviá-lo de viagem pela Europa, segundo a tradição setecentista das nações civilizadas. E o biógrafo considera ser nas duas viagens realizadas nos anos de 1854 e 1855 “que aparece de uma forma clara a grandiosidade de pensamentos e de conduta de D. Pedro V. Ia viajar para se instruir e aprender, e não como fonte de prazer e de distração, era uma obrigação que se impunha, considerava seu dever estar pronto a cumprir tal exigência”. “Quanto mais bem preparado estivesse, melhor se desempenharia do seu ofício”. Começou, assim, por visitar Inglaterra, onde permaneceu a maior parte do tempo, e seguiu depois para a Bélgica, Holanda, Prússia e Áustria, regressando a Lisboa a 17 de setembro. Voltou a partir a 20 de maio de 1855, regressando a Portugal a 14 de agosto, com passagem por França, Itália, Suíça, Bélgica e Ilha de Wight.
Para a primeira viagem, partiu a bordo do vapor Mindelo, a 28 de maio de 1854, e as impressões de Inglaterra são preciosas “porque ele vê e observa tudo”. Sentia “necessidade de criação de uma nova mentalidade, aberta, apta à aceitação de novas ideias do progresso”, e desejava um maior nivelamento social, criticando a nossa nobreza ignara e longe da instrução e cultura. Estava, assim, claramente determinado sobre a organização de um sistema de instrução pública que fosse a primeira medida séria respeitante ao País. “Estou certo de que nada produz mais o barbarismo do que a ignorância e nenhuma mais do que a da história, porque a história mostra o que são os homens, mostra o que eles foram, e é a experiência dos séculos; e acrescentarei nenhuma ignorância de história é mais prejudicial do que a da história da civilização”. As Artes, as Ciências, a Instrução, as Bibliotecas, encaradas como instituições públicas para todos, a organização das instituições, a economia moderna, a qualidade das produções, o melhor aproveitamento dos recursos, eis o que importava. “Temo-nos tornado positivos; hoje não se escreverá tão belo estilo como há um século, mais escrevem-se mais verdades e os nossos escritos são mais úteis”. Não dispomos dos diários correspondentes aos dias de Roma, por falta de tempo do jovem rei para os escrever, mas Filipa Lowndes Vicente (Viagens e Exposições – D. Pedro V na Europa do século XIX, 2003) esclarece-nos que esta foi uma etapa menos importante do seu itinerário, como o jovem rei confidencia ao seu querido tio príncipe Alberto, marido da Rainha Vitória. Se as antiguidades de Roma “tornam a história uma coisa mais viva que qualquer livro”, tudo o mais não é tão interessante, pois o jovem estava mais interessado nos progressos materiais de países como a Inglaterra e a Holanda ou a França. Mesmo assim, refere com gosto: “quando em Roma eu passeava entre as ruínas da capital do mundo dos antigos”.

03/08/2022
 

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