Antonieta Garcia
LARILOLELA...
Em tempos de romaria, o canto, o ritmo e a dança desassossegam mentes e corpos. Concertinas, pífaros, flautas, realejos, bombos mostram a arte e a mestria de quem não desaprendeu que a festa pode durar, enquanto houver alvedrio. Meçam-se forças e aceitem-se desafios.
Desde a noitinha, pela fresca, até à alvorada, soltam-se vozes que sabem palavras estranhas; ouvem-se ali, naquelas voltas das quadras, e encantam os dias de sol na alma.
Bem diferentes daquelas cantorias modernaças que enjoam ao primeiro dó; cheias de trocadilhos e brejeirices em desgarrada repetitiva, desencantam. Na verdade, não há paciência e inspiração para tantas horas a engulhar versinhos sem tom nem som repisados até se exaurirem em pó. O cenário não muda; apresentam-se os cantadores com bailadeiras vestidas ao sabor dos brilhos de cada um; saltam, saltam, saltam... levantam uma perninha, agora a outra, esticam o braço esquerdo, segue-se o direito, põem a mão na cintura, desarrumam o cabelo, enquanto declaram amores de plástico em metros de imagens...
Custa a crer, apesar de tudo, que em temáticas irmãs todos se entrosem em coreografias para assim, celebrarem o “querido mês de agosto”, na “garagem da vizinha”, onde está a Mariazinha que gosta de ir à cozinha...
Letras mal-afamadas? Afinal, em vozes de Tarzans das selvas atuais... arrepia o calor que sobe à cabeça; amalucam e rebolam ancas jeitosas, repenicam saltos velhos, remexem a cabeça, despenteiam-se com “coentradas” aromáticas a servir de fundo a maluquices em felizes-faz-de-conta.... Que seca, que náusea, que fastio... Sempre igual...
Agosto finou-se. Abre-se agora a porta ao outono e outros cantos velhinhos mas de mosto novo renascem despertando, nos talentosos, outros desejos da lua..
Celebram-se outras festas. Os bombos endoidam, e explicam: Eu bem te dizia / Eu bem te dizia / Se tu não me amasses / Eu logo morria. / Larilolela, eu logo morria.
Larilolela? Que palavra simpática! Quem a inventou? Alegre, amarotada, sonora afiança que mil vezes se morre de amor, sem pecado… Em versão varonil confessam: Eu quero, eu quero/ Eu quero, eu queria / Dormir uma noite / Contigo, ó Maria. / Larilolela, eu quero, eu queria... O presente e o imperfeito (quero, queria) dizem bem a paixão que tem de ser a dois. E o som do pífaro e das caixas voam no ar com as vozes. Uma sonoridade matricial agarra: Ao alto, ao alto/ ao alto, ao alto / quanto mais acima / maior é o salto / Larilolela maior é o salto…
Se a memória guardou textos com uma função utilitária, outros permaneceram pela fruição da palavra, sem outro fim que não seja o de vivenciar momentos lúdicos. De namoro, por exemplo:
- Os pombos, quando namoram / Põem as asas no chão / Para que as pombas não vejam / o bater do coração;
- De saudade: Meu amor, na despedida / Nem um só ai pode dar: / Apertou-me a mão ao peito / E depois pôs-se a chorar;/
- De tristeza: Não choro por me deixares / Que o jardim mais flores tem; / Choro que não hás de achar / Quem te queira tanto bem.
E passam-se décadas e há cantares que não cansam... Pastores de sonhos forjam o Verbo, uma espécie de língua sagrada que enfeitiça a terra interior. Discursos de afetos aliam-se ao cantochão, à voluptuosidade. Eros e cantadeiros de sereias sempre se entenderam às mil maravilhas, no canto e na dança, nas ilhas das palavras. São os padroeiros de encantamentos, de fraternidade, de luz...