Antonieta Garcia
O DIMINUTIVO DE TARECO – TECO - VENCEU
Era o bichano mais simpático das redondezas; rafeiro de quatro costados e de outros, durante gerações, não se descobriu pedigree de qualquer espécie, na árvore genealógica. Sabia, porém, como nenhum outro tareco, rejeitar o insulto de “Sape Gato” e tecer a arte maior de cativar pessoas e gatas, aprendida em estudos universalizados e visível a olhos nus, fosse qual fosse o ângulo de visão a analisar. Elegante, tigrado, luzidio, felino... despertava amores a qualquer gata que se cruzasse nas ruas que habitualmente frequentava. Encantava-as com miados dengosos, e saudava-as educadamente bem como a outros companheiros de território.
Gostava de colinho no Verão; para o lume, procurava os que não se faziam rogados e acarinhava-os com ronrons de amabilidade. Era um encanto, o Teco! O registo que consta no veterinário batiza-o como Lorde; mas as costelas republicanas fizeram um corte com nobrezas de antanho e, democraticamente, o diminutivo de Tareco, Teco, venceu. Assentava-lhe que nem uma luva. Casou cedo com uma gata preta de olhos reluzentes, dengosa, com a qual disputava a ração e outros mimos. Na primeira ninhada, nasceram quatro bichanos. Dormiam nos lugares mais fofos da sala, partilhavam refeições, jogos... Era uma vida calma, sem discussões, para quem queria durar muito tempo, saudável, bem-disposto, interveniente, falador em miados variados. Uma queixa diz-se em linguagem diferente de um agradecimento, de um pedido... Mas, entendíamo-nos perfeitamente porque a Torre de Babel dos gatos não estilhaçara os idiomas dos bichos simples que continuavam a comunicar sem problemas.
Ora, um belo dia, gata pretinha e luminosa desapareceu. Que tristeza! Acreditei que o Teco iria chorar baba e ranho... Como se recomporia do desgosto? Esperava vê-lo desistir de comunicar com os demais felinos da rua, ver lágrimas a envidraçarem-lhe o olhar, a deixar de comer...
Puro engano! Entrou-nos em casa outra gata rafeira, mas educada em Coimbra, que substituiu em dois tempos os amores eternos do Teco. Encontravam-se amiúde, na rua, apanhavam todo o raio de sol que aparecia... Em pleno Inverno, a lareira aquecia e era cada soneca!!!
Deixa saudades, o Teco. Acompanhava as atividades da casa, adorava os donos que retribuíam a atenção com carinho e afeto... Gostava de livros; às vezes, identificava-os e marcava-os com o líquido amarelo malcheiroso que, nalguns casos, perdura em cadernos e documentos e tudo... Nunca conseguiu entender a arrelia que a sua tradicional prática de marcar território desencadeava. Remédio?
Afastar os papéis para sua excelência evitar usá-los como lhe aprouvesse. Percebemos que não valia a pena elevar a voz em notas de dó maior. Um gato que se preze não pode pensar como um humano, mas garante-se: o Teco jamais gostaria de brigar com gente amiga. Em tempo de tormenta nervosa, enfiava a cauda entre as pernas e por aqui me vou com filosofia eleita.
Ajudava em todas as tarefas, e só não redigiu trabalhos porque ainda está para ser criada a Escola da Gataria...
Deixou-nos ontem, aos 16 anos! Um gato desportista, forte, atleta de saltos, fosse qual fosse a altura e dificuldade, ficou pele e osso, em poucos meses. Enfastiou a comida e a vida. Desistiu.
Agora já não ouço o Bom-dia matinal, a saudar o novo dia, não pede que me desloque à cozinha para, frente ao armário, reivindicar a ração a que tinha direito…
Estou a vê-lo: acabado o repasto, lambia a patita e lavava-se até não sobrar ponta de cheiro que não fosse o seu. Se era inverno, procurava um colinho; no verão, qualquer canto fresquinho, pertinho de gente, despertava ronrons sublinhados com salamaleques, cortesia, troca de palavras! Uma pata levantada com as unhas encolhidas, a roçar o corpo, o fato, diz coisas, conta coisas... Já um piscar de olhos traz tantos beijinhos carinhosos! Hoje, não veio esperar-me à porta. Zangava-se, se me demorava na rua, em lamentações de miaus. Se as notas subiam de tom e o pranto era exagerado, sabíamos que uma qualquer dor afligia o Teco.
Era um gato simpático; as visitas eram recebidas gentilmente. Inspecionava-as, assistia às conversas, dormitava; quando saíam, acompanhava-as à porta, galante. Partiu ontem! Companheiro certo, o “Paixão” (a alcunha que usávamos) estava cansado. No veterinário, que conhecia a léguas, protestou, irou-se, soprou, assanhou-se.
O Teco já só queria Paz! Quando adoeceu, rejeitou comida, vitaminas. Estendeu-se no canto da sala, debaixo do armário de que gostava. Aproximámos-lhe do nariz tudo o que gostava. Nada o interessou. Num último esforço, levantou-se, cambaleou, caiu, um estertor, respiração ofegante… até à tardinha, pelas cinco horas…