António Salvado
EUGÉNIO AO LADO DE PESSOA
Plebeu assumido, alimentado com o radioso sol e a límpida água abundante durante a sua infância, ali na Póvoa da Atalaia onde nascera, envolvido pela ternura perene do olhar da mãe, Eugénio pede a el-rei D. Dinis indicações sobre a maneira de construir uma cantiga de amigo, cantiga da qual a mãe receptoriza o pedido do filho. Depois, lá mais para a frente, saberá de um poeta albicastrense – João Roiz de Castelo Branco – que, como nenhum outro, soube futurizar as relações recônditas do amor e da saudade. E desse João Roiz renovará, no porvir, o sangue e a alma, ignorará clássicos estilos para se evidenciar como um dos mais singulares clássicos da poesia portuguesa e trata por tu Camões, dialoga com o Génio e pede-lhe licença para d’ele retirar acentuado engenho e arte.
Suspeitando de dificuldades gongóricas, apraz-lhe antes percorrer campos com pastores de Rodrigues Lobo sob o calor benéfico das oliveiras de Virgílio e do poeta de Liz e das oliveiras da Póvoa da Atalaia. Mas a sua ânsia pela originalidade não cessa de se corporizar e, ombreando com modulações amorosas dos sonetos de Bocage, colora os seus versos com prazeres e seduções dos versos de Garret. Curiosamente, e aqui e além, em grave atitude de sacralidade perante a terra, o seu absoluto, sente-se o estremecimento dos acordes de Herculano. Antinomia existencial, essa para com Antero, não deixando de reconhecer no entanto a grandeza da passagem ao outro lado da vida a que chamamos morte. Cesário cinzelou versos; Eugénio ondulou águas, esculpiu barros, incendiou clamores líricos quase extintos, bebeu no ar a música que os deuses haviam deixado ou cair do Olimpo. Deixou-se encantar pelos ‘erros d’ortografia’ de versos de Nobre, ele também poeta da beira-mar. E na casa de Pascoaes, a Casa para a Poesia, em memória do grande intérprete do Marão e que Eugénio tanto admirava!... Jamais esquecerá aquele recriador dos mistérios da existência.
Depois, e enfim, terá experimentado o peso ténue do morrer pelo excesso das palavras à míngua ou se sentir saturado por elas!... E nunca será tarde para se reaprender o ostinato rigore a reedificar a poesia. Senta-se então ao lado de Pessoa e ambos vão sonorizando na história da poesia portuguesa alguma das suas mais notáveis composições.