Edição nº 1893 - 30 de abril de 2025

José Dias Pires
PARA QUE SAIBAM OS NOSSOS NETOS QUE NÃO NOS ESQUECEMOS DELES

Quero recontar-nos um conto que não tem nada de infantil.
Um conto sem os sorrisos que fingem disfarçar os lamentos destes tempos.
Quero recontar-nos uma pequena história e tenho medo de me enganar nas palavras e nos leve a acreditar que a mentira, o medo, a traição e o engano sejam o caminho fácil da vitória que vence os sonhos que os nossos netos ainda não lavram.
Tentarei que seja um relato breve onde existam personagens que um dia nos ajudaram a dormir e a sonhar em tons, mais ou menos, coloridos.
Contudo, temo que não seja assim tão leve e tenha mais ventos fortes que aragens e lobos disfarçados de cordeiros, a sorrir.
Quero relembrar todos os episódios que nos deixaram indiferentes e de fora, num tanto se me dá que agrada aos que desejam que nada nos inquiete.
Arrisco: Era uma vez um rebanho que balia em coro cinzento, ignorando qual o tamanho desse balido lamento.
Dentro do redil viviam das sobras dos acepipes, porque afinal não sabiam que sendo ovelhas, todos eram pessoas.
Era uma vez um país, cujas margens eram grilhões, onde ninguém foi feliz por expressar, livre, as ideias.
Era uma vez um povo obrigado a ser tapete e a acreditar que era novo o tempo da história velha.
Eram tantas vezes bocas, e bocas de tantos nomes, de tantas cabeças ocas vazias de tantas fomes, como a fome da minhoca.
Era, pois, uma vez uma minhoca que não suportando mais viver dos seus anéis, saiu de onde viveu escondida decidida a ser feliz, ao menos, por um dia.
Esperançada na troca de papéis, que podia até, talvez, mudar-lhe a vida, propôs-se, à luz do sol, buscar a alegria.
Serpenteando chegou ao pântano lamacento onde, à espera de um distraído mergulho, vivia a sanguessuga, em desespero.
«Querida prima, trago para ti um novo alento capaz de refrescar-te o orgulho e terminar com o teu jejum, sem exagero! Troca comigo de menu e de lugar e vai deliciar-te com o doce sangue das raízes, que eu faço, por ti, o resto da dieta.»
Perante esta proposta o verme aceitou mudar, procurando, nos confins da terra, outros matizes que, na seiva das plantas, a fome aquieta.
Tranquila, a minhoca, ficou expectante no posto que a sua prima possuía, esperando a vinda de alguém com sangue quente.
Chegou-se ao lamaçal um bem falante mascarado de pescador.
Confiante em preencher, com peixe, a mochila vazia, porque sabia estar ali petisco diferente, lesto armou o seu instrumental: amostras, fio e canas das melhores, capazes de pescar, até, atuns no lamaçal. Em poucos minutos encheu de peixe o seu saco, sem ter sequer que recorrer ao engodo.
Espantada, a minhoca atenta tudo via.
Aquele ser bem falante seria o seu objetivo, a fonte, o alimento, a sua afirmação.
Pensando assim trepou pela perna vazia num jeito disfarçado e pouco vivo até chegar à fronteira dos calções.
Incomodado, o pescador, notou o movimento e, sacudindo a perna, ao chão lançou o isco, colocando-o em seguida na ponta do anzol. Os peixes, pela agitação do novo alimento, lançaram-se, em cardume, ao pitéu, aumentando ao pescador a pescaria.
Perante o inusitado sucesso, o pescador saltava, antecipando a festa, fazendo soçobrar o areal da margem.
Nos túneis da minhoca, a sanguessuga via os tetos da sua miragem a desabar, e ficou soterrada antes de provar a seiva ou retomar o ar.
Quem, por rastejar, está destinado a ser sempre igual ao seu passado, não é por trocar de máscara, que vai mudar a vida, pois é dela apenas uma imitação grotesca.
Por isso está, queira ou não, sempre obrigado a não ser mais que a reduzida pequenez cujo futuro é viver rasteiro e junto ao chão!
É uma vez esta terra, a nossa, onde podemos (devemos) semear a diferença e exigir, até, o céu, se nos apetecer, sem medo de viver a novidade e contra o retorno ao redil.
É, outra vez, tempo de lutar em todo o lado para não se voltar, de novo, à descomprometida indiferença. Tempo de não esperar pelas promessas, de ser livre, de desobedecer e fazer, para os nossos netos e em qualquer dia, outro Abril florido.
Ai flores de abril: nas nossas mãos se guardam e noutras mãos se matam. Havemos de florir-vos, que não nos perdoam as ausências.

30/04/2025
 

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