Edição nº 1883 - 19 de fevereiro de 2025

Lopes Marcelo
PARA MEMÓRIA FUTURA

Em tempo das Janeiras realizou-se mais uma vez este ano na minha terra, a freguesia de Aranhas, a agora designada Festa das Varas do Fumeiro. Atendendo a que de ano para ano se verifica que são cada vez mais as componentes exteriores às tradições locais, bem como o seu desvirtuamento, vale a pena descrever como nasceu tal evento que se pretendeu bem enraizado na cultura popular, em vibração comunitária, com enfoque nos saberes e nos sabores locais.
Um dos objectivos foi o aproveitamento de uma das especializações naturais da povoação. De facto, numa prova cega de um concurso de enchidos realizada na Casa do Povo de Penamacor, com um júri independente formado por uma equipa técnica da Universidade de Trás- os Montes, o enchido de Aranhas ficou em primeiro lugar. Assim, assumiu-se promover o património cultural local em articulação com a tradição das Janeiras, tendo-se escolhido a data do último fim-de-semana do mês de Janeiro.
As Janeiras constituem uma das tradições mais antigas e bem vivas em Aranhas, presença marcante no genuíno Cancioneiro Local. O cantar das Janeiras que começa logo a seguir ao Natal continua a ser um movimento celebrativo e solidário, assumido pelo nosso Rancho Folclórico. O grupo vai de porta em porta, desejar Boas-Festas na esperança de receber alguma recompensa. Cantam-se quadras populares acompanhadas pelo toque de concertina ou acordeão e viola. Mais antigamente era ao toque do realejo:

Ainda agora aqui cheguei
Já puz o pé na escada.
Logo o coração me disse
Aqui mora gente honrada.

Levante-se lá senhora
Desse assento de cortiça.
Venha-nos dar as Janeiras
Morcelas ou chouriças.
Se em alguma casa a porta se não abria logo satiricamente se cantava:

Estas barbas de farelo
Não têm nada para nos dar.
Foram encher uma farinheira de cinza
Para já terem que nos dar.

Outra referência foi o Ramo da Carne integrado na preparação da principal festa em honra de Nª Senhora do Bom Sucesso que se realiza no terceiro Domingo de Agosto. De facto, os festeiros no fim-de-semana a seguir à Páscoa, afadigavam-se nas duas componentes do Ramo da Carne: a recolha do enchido e a de gado vivo. Alguns festeiros visitavam as explorações de pecuária e traziam os borregos ou cabritos oferecidos. Outros festeiros, no Sábado, percorriam as ruas da aldeia e recolhiam o enchido oferecido. Para facilitar a recolha do alto dos balcões e até das janelas utilizavam-se varas compridas com vários pregos numa das extremidades, para as pessoas poderem dependurar o enchido oferecido. No Domingo a seguir à Páscoa, no adro junto à igreja, quer os animais vivos, quer as varas do enchido eram leiloadas ao público em ambiente de festa popular com uma pequena quermesse e várias bandejas com bolos e jeropiga ou vinho que também eram leiloadas. A receita do Ramo da Carne servia para a organização da maior festa do verão.
O planeamento e a realização do novo evento com caraterísticas comunitárias originais intitulado AINDA AGORA AQUI CHEGUEI no terceiro fim-de-semana de Janeiro só foi possível pelo entusiástico envolvimento da população ancorada na dinâmica cultural do Rancho Folclórico e pela iniciativa da Junta de Freguesia. Contudo, realmente decisiva foi a feliz circunstância de o Presidente do Rancho e da Junta de Freguesia coincidirem na altura na mesma pessoa ligada às nossas tradições, António Geraldes, músico e experimentado animador social e cultural.
Às características originais do evento de vibração comunitária, também para memória futura, se voltará no próximo Mosaico Cultural.

19/02/2025
 

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