José Lagiosa - Desassossego
Campanha
Home sweet home. Assim batizámos a carrinha que nos levaria a fazer 11.000 quilómetros, em três semanas, por um Portugal que aprendemos a conhecer, por estradas que hoje têm, felizmente, alternativas bem melhores.
Éramos três: eu próprio, condutor de serviço, é verdade fiz a totalidade da condução, o João Franco e o Reinaldo Oliveira.
Acompanhámos o então líder do Partido Socialista, Mário Soares, ao longo dessas três semanas de muitos quilómetros, peripécias, sustos, felizmente sem consequências graves, na caminhada que ditou a vitória do PS em 25 de Abril de 1976 e que daria, como expliquei a semana passada, origem ao I Governo Constitucional.
Para além das distâncias, do tempo sem vir a casa, daí o nome escolhido para o mote da carrinha, houve alguns episódios que marcaram estas três semanas.
De todos eles, dignos de registo, começo por relembrar aqui um, por ter sido o que mais ameaças representou. Passou-se no Distrito de Vila Real, o mesmo onde o PS acaba de vencer, pela primeira vez, umas Autárquicas, e foi em Carrazedo de Montenegro. Era local de passagem da caravana e poucos momentos antes, fomos avisados que elementos recém-chegados das antigas colónias estariam a preparar um atentado contra a integridade física de Mário Soares. Perante esta potencial ameaça reescalonamos a ordem das viaturas, mudámos Soares de veículo e coloquei a carrinha que conduzia, à cabeça da caravana automóvel e avançámos de peito feito pela rua principal da aldeia que não era mais, à data, que uma rua estreita e longa e pareceu-me tão longa nesse dia. Durante a travessia choveram pedras, um pedregulho gigantesco desceu brutalmente de uma janela superior, aterrou no terceiro ou quarto carro da caravana, um VW Carocha, danificando-o seriamente mas apesar de todo o tipo de arremessos e batidas com cachaços enormes, passei e limitei os estragos a um vidro lateral partido. Por pouco não atropelei um homem que se colocou a meio da estrada para tentar travar a marcha da caravana. Mas a estratégia era não parar e tirar Mário Soares dali são e salvo. Conseguimos, porque estrategicamente, havíamo-lo mudado de viatura e seguia contra o que era habitual, num pequeno carro, imediatamente atrás da nossa carrinha. Foi o que nos valeu. A inesperada alteração baralhou os agressores e quem pagou foi o pobre Carocha.
Mas este foi só um dos episódios. Outros aconteceram e merecerão a nossa atenção nas próximas semanas.