Lopes Marcelo
A Magia dos Rios
Há acontecimentos culturais que pela sua simplicidade e autenticidade nos envolvem e tocam de uma forma profunda e surprendente. Refiro-me à sessão de Contos Indígenas/Contos Primevos dos Rios Sagrados, realizada em Vila Velha de Ródão no passado Sábado. Mais de uma centena de pessoas acompanharam em ambiente natural junto ao Tejo, em espectacular noite de Lua cheia e em belos cenários ribeirinhos, os diversos contadores.
Não se tratou de um evento de uma só noite, mas antes de uma Residência Artística de vários dias, em que dezenas de jovens estudantes participaram em pedagógico trabalho de oficina, trocando conhecimentos e experiências com investigadores e contadores relativamente ao imaginário mágico dos rios.
De terrenos ribeirinhos, entre-portas e entre-margens, se compôe o mosaico do território do concelho de Vila Velha de Ródão. Grande parte do perímetro circundante é fronteira líquida dos cursos do Tejo, do Ocreza e do Ponsul, que abraçam a terra de forma fecunda. Rios e ribeiros, nascendo de mansinho, fontes de água cristalina acariciando a rocha, prosseguem ora em leito pedregoso, ora recreando-se em serenos açudes de vida. Rios e ribeiros da memória que convidam à viagem fazendo ecoar em nós os seus queixumes e revoltas em alvoroçados choros de água, e cantam o amor e a saudade de tantas gerações em ternos sorrisos de espuma. Rios e ribeiros que contêm as primícias do tempo, estradas de civilização e sementes de futuro, rodeados de paisagens, vestígios e testemunhos da pauta histórica do príncipio e da evolução do povoamaento humano.
Como espaço geográfico de referência histórica milenar, o Tejo assume grande relevância para a ocupação humana pré-histórica em três estações da zona de Vila Velha de Ródão, de onde criteriosas pesquisas arqueológicas salvaram materiais importantes que se encontram documentados no Museu Nacional de Arqueologia, no Museu Tavares Proença Júnior e no Centro Municipal de Cultura de Vila Velha de Ródão.
A vivência prolongada do Homem, aproveitando terrenos férteis em caça, pesca e cultivo, deixou marcas perenes da sua cultura e rituais, expressão de uma actividade mágico-religiosa notável. Foi neste rico enquadramento que se organizou esta iniciativa formativa em rede que envolveu a Autarquia Local, o Museu Nacional de Arqueologia, a Direcção-Geral do Livro dos Arquivos e das Bibliotecas, o Centro Português de Geo-História e de Pré-História e a Associação de Estudos do Alto Tejo. Quer jovens estudantes, quer contadores de contos tradicionais celebraram com dedicado enlevo e entusiasmo os valores fundamentais do meio-ambiente sustentável, da educação para a cidadania da responsabilidade e da participação visando o respeito pelos equilíbrios da natureza em que o homem deve saber assumir um usofruto respeitador e não de auto-convencido predador.
Movidos por tais valores e exemplos fundamentais, poderemos prosseguir viagem pelos rios da memória, unindo o apelo das raízes aos desafios da modernidade, tornando fértil o presente na construção de um futuro com alma, fecundo e autêntico. Num tempo actual de aceleração, em que se dá tanta importância a coisas superficiais, caras e descartáveis; sabe bem a partilha de vertentes fundamentais, que temos à nossa beira, graciosas, genuínas e de ciclo longo, que dão verdadeiramente sentido à vida.