10 de maio de 2017

ANTONIETA GARCIA
UM, DOIS, TRÊS… JÁ NÃO VALE!

O rato roeu (realmente) a rolha da garrafa do rei da Rússia. Os ratos, do alto da sua sapiência, sempre as roeram. As de melhor qualidade resistiam até que o saca-rolhas as condenasse e torturasse para se retirarem em fanicos dos gargalos. Tapavam eficientemente bocas do que quer que fosse, de quem quer que fosse. Por isso, rolhar as palavras, mantê-las reverentes, ocultas, calá-las foi uma tentação irreprimível de muita gente da ribalta. Na verdade, a rolha fascinava. Trauliteira e tudo colhia o entusiasmo insanável de reinantes e de aspirantes ao poder. Com a rolha aprontavam resoluções que nem ao diabo lembravam. E sempre que as palavras, à solta, intranquilizavam, se indisciplinavam e se divertiam a transgredir e a desafiar regras e normas... era simples: rolhavam-se. Bem as queriam “tipo tropa” a afinar pela voz do comando… Certo é que, mais tarde ou mais cedo, desalinhavam.
A lei da rolha era um deus-nos-acuda! A vampira seduzia, sugava, cortava e durava, rastejava, enroscava-se, torcia-se, até silenciar inconformados e rebeldes.
Ora, longe vão os tempos em que se identificava o rolhar de palavras com ditadores de raça! Uns foram sendo vencidos. Outros verificaram que era um prejuízo pagar a censores, prender criaturas que se excediam, proibir quem opinava, quando a cartilha por que rezavam era diferente do seu Vade Mecum. Desnudada por alguns aprendeu a perder qualquer pudor e arruinou-se! Em conflito permanente, a censura ia esgotando o tempo de vida.
Foram os auspiciosos sítios da internet (google, facebook… entre outros) que a enterraram. Acreditava-se: “Agora é que é. Ninguém cala a boca à verdade.” Pessoas e organizações divulgam, à tripa forra, nos novos mídia, o pensamento, valores e objetivos. A palavra, liberta, agarrou asas, peregrinou, voou. Agora, um caleidoscópio de criaturas serve-se da fala… “posta”, comenta, tagarela, asneia, semeia a agitação.
Duas décadas depois da criação de tecnologias modernaças, percebemos que andamos embarcados numa nau de loucos. A par de atitudes / comportamentos éticos, belíssimos, muitos assustam pela ignorância, pela devassidão e pela desumanidade; a barbárie pontifica, ali, em palavras / imagens endemoninhadas. Escondida atrás do anonimato, de pseudónimos e de máscaras há gente que ousa toda a casta de infâmias. Passageiros desta nau, para onde vamos? Quem traça um esboço da rota? Que é dos pilotos?
Vivemos numa época de grave crise social. À deriva, no mar de loucuras, juntaram-se vozes de políticos, de poderosos. Apregoam: a minha verdade é que é. Que o diga Trump (e apaniguados) o renovador do lema: “Quem não está comigo, é contra mim”. A jornalistas conceituados converteu-os em poder maléfico, por dizerem que é falso o que, na realidade, é falso. Trump adotou mesmo nova designação para a mentira visível: são “factos alternativos” e notícias falsas não fazem mal a ninguém; aparelhou mágicas novas de purificação e de exclusão. As lutas verbais (um, dois, três já não vale!) alcançaram um patamar inimaginável. Sabendo talvez o que queria, mas sem saber bem para onde ia, este presidente tuíta freneticamente e atola-se em proclamações curtíssimas; rodeado de prosélitos mostra-se, nos mídia, a assinar, com fervor inaudito, desde medidas precárias a projetos de Emigração, de Saúde… Navega sem rumo? Ou fez-se prisioneiro de encruzilhadas de caminhos abertos? Ao comando de barca que o elegeu não suspeita que caminha célere para o caos. Por isso, tuíta, os seguidores ovacionam, os precipitados colam-se à maioria, por interesse, ignorância, hábito e precaução. O que custa aplaudir, chefes com lugar ao sol, sobretudo quando está em vias o apuramento da forma eficaz, cientificamente manipuladora, de ganhar e perder eleições, através da maior subversão dos valores democráticos? Os ataques cibernéticos prenunciam o quê?
O rato roeu as rolhas do rei da Rússia. Mas o desejo da lei da rolha resistiu. Pesquisou outras formas de existência. Emigrou para os novos mídia. Aí, abriram-se portas de solidariedade, de afetos, mas escancararam-se as de acesso a crápulas capazes das maiores ignomínias. Velhos fantasmas assomam. A verdade peregrina, de voz em voz, caótica; feia e camaleónica cria mundos de agonia. Com palavras desavindas ergue muros e desumaniza a humanidade. Manipuladores poderosos, indiferentes e irresponsáveis são cúmplices da criação de um Reino onde entram à vontade violências e desmoralizações do tamanho do Jogo da Baleia Azul. Navegamos em nau de loucos. Que é dos filósofos, dos legisladores? Que é do Direito?
(Uma luz ao fundo do túnel: França elegeu Macron!)

10/05/2017
 

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