3 de maio de 2017

VALTER LEMOS
A EUROPA E OS NACIONALISMOS

COMO DIZ O PAPA FRANCISCO, “É PRECISO CONSTRUIR PONTES E NÃO ERGUER MUROS”.

Nas últimas quatro décadas Portugal mudou muito. Por vezes ouve-se dizer que mudou para pior. Mas, só diz isso, quem não conheceu o Portugal de antes de Abril ou aqueles que não gostam da liberdade ou do bem-estar dos outros.
Em 1974 25% dos portugueses eram analfabetos, hoje são menos de 5%. A educação pré-escolar era quase inexistente, abrangendo menos de 1% das crianças, sendo hoje essa taxa superior a 90%. Em 1974 havia 95 médicos por cada 100 mil habitantes, hoje são 470. Em 1974 menos de 20% dos portugueses tinham acesso ao sistema de segurança social. Hoje é universal. A esperança média de vida em 1974 era de 67anos, Hoje é superior a 80 anos. O tempo médio de vida aumentou quase 15 anos nos últimos 40!
Uma parte destes progressos deve-se, sem dúvida ao esforço dos próprios portugueses e dos seus dirigentes políticos. Num tempo em que a demagogia e o populismo barato invadiram os jornais, as televisões e o discurso popular, querendo culpar a política de todos os males e querendo dar uma imagem degradante e corrompida dos políticos, torna-se imperioso dizer que devemos muito a dirigentes políticos esclarecidos que souberam prever, arriscar e tomar decisões que melhoraram a nossa vida e fizeram progredir o país. Foram decisões dessas que criaram o serviço nacional de saúde, que universalizaram a escola, que instituíram o estado social. Com elas passámos a viver mais e melhor.
Dessas decisões políticas destaca-se a de adesão à então CEE. Tal decisão teve um impacto tal no país, que podemos dizer que é, sem dúvida, a mais importante da história recente e uma das mais importantes de toda a nossa história.
Alguns ainda têm bem presente que para ir a Espanha era preciso mostrar o passaporte na fronteira. Outros sentiram, bem na pele, a dureza dos sacrifícios porque passaram para poderem ir ganhar a vida para França ou Alemanha, com vida escondida, perseguições, trabalho ilegal. Hoje podemos apanhar o comboio, o autocarro ou o automóvel em Castelo Branco e ir a Madrid como vamos a Lisboa ou viajar descansadamente para França ou Alemanha ou até para a Suécia ou a Eslovénia e ir passear, estudar ou, até trabalhar.
Alguns querem convencer-nos que tudo isto é pior. Que a Europa é a fonte de todos os males e que seria melhor os países europeus viverem novamente fechados uns aos outros. Nada de mais enganador. Aqueles que propagam tais ideias mais não pretendem do que ter instrumentos para controlar mais os seus concidadãos. Dão como desculpa que pretendem controlar os outros, mas, pensando bem, fácil é ver que quem fica mais controlado são os que lá vivem e não os outros.
Tais ideias, tidas por nacionalistas, têm ganho espaço político na Europa e no mundo. Na Europa originaram já a saída do Reino Unido da União Europeia e têm conduzido ao poder diversos partidos de direita radical em alguns países.
Mas, há historicamente dois tipos de nacionalismo: o que assenta na exclusão e o que assenta na inclusão.
O primeiro é o que nos tem vindo a ser proposto pelos Trump, Le Pen e Farage deste mundo. Não deixamos entrar ninguém, expulsamos os que são diferentes de nós e fechamos o país com fronteiras e muros e incentivamos o ódio ao vizinho. É o nacionalismo que ao longo da história conduziu às guerras mais sangrentas e à destruição das sociedades humanas.
O segundo tipo de nacionalismo é o que a história nos mostra como exemplo de crescimento de grandes nações como os Estados Unidos da América, o Canadá, o Brasil ou a Austrália. É a criação de um país, uma nação e uma identidade, através da integração de todos. É criar uma pátria que todos sintam como sua, independentemente de serem mais ou menos parecidos com cada um dos seus vizinhos ou dos seus compatriotas. Foi este nacionalismo que trouxe a esses países o progresso e o bem-estar. Não foi o ódio ao vizinho nem o ataque ao estrangeiro.
Como diz o Papa Francisco, “é, pois, preciso construir pontes e não erguer muros”.
A Europa vive uma crise, sem dúvida, e naturalmente Portugal também. Mas essa crise não é uma crise de valores ou uma crise de recursos, como alguns querem fazer crer. É, por um lado, uma crise de abundância e por outro, uma crise de processos.
É uma crise de abundância, porque a Europa é a zona do mundo, onde se vive mais e melhor. Mais e melhor do que em toda a anterior história da humanidade e mais e melhor do que no resto do mundo. Nunca os europeus tiveram tanto em todas as áreas, sociais, económicas, culturais, tecnológicas, científicas! De que se queixam então?
Não é pois certamente de uma crise de recursos que se trata. Mas, quero enfatizar que, ao contrário da ladainha demagógica e populista, não é também uma crise de valores. Nunca na história as sociedades respeitaram tanto a liberdade dos cidadãos como os países europeus. Nunca os estados investiram tantos recursos sociais no apoio aos mais fracos e aos mais dependentes como acontece no modelo social europeu. Nunca o conhecimento dos cidadãos sobre a governação dos seus países foi tão intenso, como é hoje.
É possível, pois, falar numa crise de valores? Não me parece. Mas como diria Galileu, que ela (a crise) existe, é verdade. Que há descontentamento é um dado inegável. Então onde está a crise do modelo europeu?
A razão parece estar no afastamento entre os cidadãos e a política europeia e a sensação difusa que a transferência de soberania para a União Europeia parece impedir uma verdadeira prestação de contas dos políticos. Os governos já não respondem por todas as decisões de política porque algumas já não são da sua responsabilidade e os órgãos da UE também não respondem porque estão fora do escrutínio dos cidadãos de cada país. Isto é, sem dúvida, muito cómodo para as instituições europeias, que se furtam a uma verdadeira prestação de contas política, mas, vai aprofundando a desconfiança dos cidadãos e potenciando a insatisfação, a contestação e a revolta. Fácil é, pois, os populistas e os nacionalistas convencerem as pessoas que o problema está na ideia de Europa e no modelo social europeu.

03/05/2017
 

Em Agenda

 
29/05 a 12/10
Castanheira Retrospetiva Centro de Cultura Contemporânea de Castelo Branco

Gala Troféu Gazeta Atletismo 2023

Castelo Branco nos Açores

Video