JOSÉ DIAS PIRES
As duas metades da eternidade encontram-se a 1 de junho
A fantasia é uma arte e um engenho que, em algum momento das nossas vidas, a todos nos presenteou.
Fui criança e vivi, sem saber, esse tempo com a profundidade dos mares e a arte dos poetas ou dos pintores.
“O que conta não é o que o artista faz, mas sim aquilo que ele é” – disse Picasso.
A memória (a primeira metade da eternidade) regista uma milésima parte das cores e das imagens que algures povoaram as nossas fantasias.
Lembro-me das florestas e dos jardins que imaginei no pequeno quintal da minha avó; das flores de muitas cores e feitios que nasciam por entre as ervas daninhas do bosque, ao fundo do bairro; da água, da terra e da lama que me ajudaram a inventar rios e barragens e dos pedaços de telha velha que me ajudaram a desenhar estradas no cimento; das formigas que povoaram os trilhos dos meus exércitos e dos caules ocos das azedas como instrumentos das minhas orquestras.
Recordo quase tudo e quase todos os que habitaram, comigo, em cumplicidade, essas vivências, porque afinal “tudo se transforma, até mesmo a pedra”, como dizia Monet.
Ser criança é ser quase. Quase simples, quase puro, límpido e, como a oliveira, simbolizar a paz ou então, pelo menos, a luz do farol de azeite numa candeia.
Cresci rodeado de talentos e valentias, movimentei-me em espiral, rodopiando e reinventando menos marés que marinheiros, esperando sempre poder reviver aqueles tempos e os seus encantos, nem que fosse por uma noite de sono ou uma manhã de sonho.
Vivemos a desejar tornar-nos sábios interlocutores do infinito, mágicos e inventores de mil e uma maneiras de voltar a ser, infantilmente, artistas e, nessa arte, fantasiar felicidade, relembrando bonecas e bolas de trapo, piões, berlindes de bugalhas, automóveis de arame e cortiça, embalados por simpatias e geradores de saudáveis invejas.
Vivemos a desejar voltar a brincar aos polícias e aos ladrões, aos merceeiros e aos clientes, aos médicos e aos doentes, mas afinal só brincamos aos interesses.
É, nestes momentos de nostalgia ou de sentimento de culpa, por termos escondido a infância no mais recatado canto da última gaveta, que retomamos, por instantes, a busca da imaginação perdida (a outra metade da eternidade) e fazemos de conta que nos cheira às iguarias que fumegavam das panelas das nossas pequenas namoradas, onde, à mistura, se cozinhava relva, pétalas de flor e rosmaninho!
Vivemos repartidos entre duas metades de infância: a do tempo curto para imaginar, se houver espaço, e a do espaço imenso para recordar, se houver tempo.
Vivemos comprimidos entres duas metades de arte — a criatividade sem limites, na infância, e a reprodução contida das conveniências, quando nos esquecemos dela, da infância.
É por isso que, como acontecerá no próximo dia 1 de junho, de vez em quando nos encontramos com ela.
Será que procuramos encontrar o segredo para juntar as duas metades da eternidade, ganhando, de novo, a dimensão de crianças e artistas?
“Para um verdadeiro artista, só é bonito o rosto que, independentemente do exterior, brilha com a verdade interior da alma”, disse Gandhi.
Ainda não desisti dessa fantasia e anseio abraçar quem conseguir encontrar a solução. Será que a encontramos num qualquer dia 2?