5 de julho de 2017

ELSA LIGEIRO
Adriana e os poetas

Assisti, com a sala do Teatro Académico de Gil Vicente esgotada, a uma aula de Adriana Calcanhotto, em Coimbra.
Entusiasmo na plateia e alguma confusão no palco quando Adriana se esqueceu da letra de umas das suas canções que construiu a partir de um poema de Antônio Cicero.
A plateia entrou com gosto na performance e subiu ao palco cantarolando a canção: Não lhe peço nada/ Mas se acaso você perguntar/ Por você não há o que eu não faça… que a brasileira de Porto Alegre gravou em “Cantada”, (um dos seus melhores discos), e onde além de “Pelos Ares”, ainda podemos escutar esse prodígio que é uma Leitura-canção das palavras de Carlos Drummond de Andrade: Jornal de Serviço (Leitura em diagonal das páginas amarelas).
Divertida com a cena do palco, apeteceu-me intervir para dar o meu testemunho e manifestar a minha admiração não só pelos poetas Antônio Cicero e Waly Salomão, que em fotografia no ecrã dominavam a cenografia, mas do génio e arte de Adriana Calcanhotto na valorização da poesia.
Não o fiz (porque o palco não é o meu lugar), mas mentalmente recordei muito do trabalho da Adriana na divulgação da Poesia, e o quanto são injustas algumas das reações de parte da Academia na dificuldade em acolher uma artista como professora da Universidade de Coimbra.
Pois, valorizo com admiração o seu empenho e persistência na divulgação da Língua Portuguesa ao longo de toda a sua carreira. Trabalho esse arriscadíssimo e meticuloso.
Lembrei-me de Ferreira Gullar, e do seu poema Traduzir-se, que a autora de Vambora gravou em DVD, num espetáculo (Público) em S. Paulo.
E da gravação de “Sete”, poema de Mário de Sá-Carneiro, também gravado ao vivo, e com direito a uma introdução onde Adriana comete uma gafe atribuindo o suicídio do poeta português, em Paris, aos 27 anos (nestes assuntos de datas e números não se deve pedir a uma autora o que se exige a um contabilista).
O que importa (e fica) é a belíssima canção Sete, poema de quatro versos de Mário de Sá-Carneiro, na voz da Adriana Calcanhotto.
Portugal, além de tudo, deve-lhe também isso.
E que dizer de Inverno, de Antônio Cicero? É no disco Fábrica do Poema (1994) que Adriana Calcanhotto revela o seu génio muito particular na transfiguração da palavra e do português.
Aqui, além do insuperável (e já citado) Inverno, e do clássico Metade, ela tenta o impossível com o poema de Waly Salomão A Fábrica do Poema: “sonho o poema de arquitectura ideal…” (uma obra de arte) numa revelação mais-que-perfeita do seu talento que transborda certeiro na apropriação poética, através da música, de uma entrevista do cineasta Joaquim Pedro de Andrade ao jornal francês Liberation, em Maio de 1987, que se intitula (entrevista e canção): Por que você faz cinema? Ao que o cineasta brasileiro responde (e Adriana Calcanhotto repete e bem): “para chatear os imbecis”.

05/07/2017
 

Em Agenda

 
29/05 a 12/10
Castanheira Retrospetiva Centro de Cultura Contemporânea de Castelo Branco

Gala Troféu Gazeta Atletismo 2023

Castelo Branco nos Açores

Video