Fernando Raposo
ADSE: A “PRESA” FARTA
Por desconhecimento (ou, quem sabe, por inveja ou preconceito ideológico), pensam alguns que a ADSE é um privilégio dos funcionários públicos pago pelos contribuintes.
Não cabendo aqui deter-me sobre a história da ADSE, importa antes deixar claro que este sistema de protecção social, cujo objectivo visa, grosso modo, “assegurar a protecção dos beneficiários e seus familiares, nos domínios da promoção da saúde, prevenção da doença, tratamento e reabilitação” (art.º 3º, do Dec. Lei nº.7/2017, de 9 de Janeiro), é integralmente financiado pelos funcionários públicos, através do desconto de 3.5% sobre o vencimento mensal bruto.
O total arrecadado pela ADSE, proveniente dos descontos dos beneficiários, foi, em 2017, de 573,6 milhões de euros. Nesse mesmo ano, a despesa foi de 557,3 milhões, repartida do seguinte modo: 410,7 milhões foram direitinhos para os cofres dos prestadores de cuidados de saúde que têm acordos específicos com a ADSE (regime convencionado) e 146,6 milhões para o dos prestadores do regime livre, isto é, aqueles em que o beneficiário paga a despesa na totalidade, sendo posteriormente reembolsado (https:ecosapo.pt, consultado em 25 de Fevereiro).
Tendo os funcionários públicos um sistema autónomo de protecção da saúde, integralmente por si pago e sustentável, eles contribuem para aliviar o esforço do Serviço Nacional de Saúde (SNS), este sim pago pelos contribuintes. Isto significa que os funcionários públicos contribuem para os dois subsistemas: o SNS, através dos seus impostos, e a ADSE, nos termos atrás referidos.
Não existisse este sistema de saúde dos funcionários públicos e o Serviço Nacional de Saúde ficaria “asfixiado” pelo elevado número de utentes que a ele recorreria, aumentando ainda mais os tempos de espera e agravando significativamente a despesa. Sublinhe-se que o número de beneficiários da ADSE é, segundo os dados mais recentes, de 1,2 milhões, entre funcionários no activo, aposentados e familiares.
Não foram poucas as vezes que sucessivos governos recorreram aos saldos da ADSE para “tapar os buracos” do Orçamento Geral do Estado, em particular o do Serviço Nacional de Saúde, como se o dinheiro fosse seu, criando assim, erradamente, nos contribuintes a ideia de que o financiamento provinha do orçamento do Estado.
Do relatório do Tribunal de Contas sobre a ADSE, citado pelo Observador (15-06-2016), pode ler-se: “… as receitas obtidas graças às contribuições dos funcionários públicos para a ADSE «foram e continuam a ser utilizadas para maquilhar as contas públicas», uma prática ilegal”.
Não se compreende, por conseguinte, a resistência de alguns sectores relativamente à ADSE. Esta é sustentável e a percepção que a generalidade dos beneficiários dela tem, pela qualidade dos serviços prestados, é muito positiva.
A recente “chantagem”, consertada, julgamos nós, a que a ADSE foi sujeita por parte de alguns prestadores de saúde privados do regime convencionado é desajustada e incompreensível. Ao que se sabe, a ADSE arranjou um tempinho para conferir a facturação dos serviços prestados por aqueles prestadores, nos anos de 2015 e 2016, tendo detectado valores cobrados a mais, por via do que se designa, na gíria contabilística, de sobrefacturação. Daí que tenha exigido a devolução de 38 milhões, coisa não despiciente.
Na linguagem simples do povo, e a ser verdade, este esquema, é uma vigarice. A “presa” é farta e quem tem o dever de zelar por ela nem sempre tem as condições necessárias para conferir, em tempo útil, os serviços prestados com os valores pagos. Nem isso deveria ser necessário, se a relação de confiança entre os parceiros fosse inquestionável.
Mas, infelizmente, esta tendência para “dar a palmada” ao alheio parece ser uma característica cultural da rapaziada do sul da Europa. Mas vigarices desta magnitude não estão ao alcance de qualquer mortal, só de gente ilustre, de colarinho branco e camisa bem engomada, que, à custa de narrativas bem elaboradas e de expedientes ardilosos vão adiando a justiça que se pretende célere e justa. A mesma justiça que manda para a cadeia, e por um ano e meio, o desgraçado que ousou furtar 6 euros!!