Maria de Lurdes Gouveia Barata
O RESPEITO PELO ESPAÇO PÚBLICO
Céu nublado claro, o dia era suave, oferecendo a intimidade do sossego sem vento. O frio contrastante dos dias anteriores acentuava a sensação de dia propício para encontros. Era um encontro no Parque da cidade, mais propriamente ao fundo, no Parque dos Loureiros, como é conhecido. A Junta de Freguesia de Castelo Branco proporcionava uma Jornada como parte final das comemorações de Fernando Namora. Era bom para a prevista plantação de um loureiro e para um tempo de leitura de alguns poemas do escritor homenageado. Seguir-se-ia um debate na Casa do Arco do Bispo sobre o médico romancista e poeta, como aconteceu. Todavia, é no Parque dos Loureiros que vou concentrar-me.
Junto ao pequeno lago que se enquadra na parede que ostenta os azulejos de Mestre Cargaleiro e que também exibe ao lado o registo da Cantiga Partindo-se, de João Roiz de Castelo Branco, foram-se juntando os primeiros participantes do evento, os que gostam de estar um pouco antes para desfrutar os espaços e entabular as primeiras conversas. Eu fui passeando por ali, e não só eu, e brevemente o tema de comentário de um grupo passou a ser a ofensiva ao lugar que se constatou: sobre uma parte já mais escondida da arte de Cargaleiro um grande coração a tinta preta e umas iniciais que pretendiam ser uma assinatura. Logo noutra parede lateral próxima, pintada com um verde que se harmonizava com a cor dos azulejos, a desgraça era ainda maior: riscos, gatafunhos, nomes, e o que se pretendia decerto que fosse um poema de três versos (que não reproduzo aqui pelo que menosprezaria grosseiramente o amor e a amizade) assinado com quatro nomes. São uns vândalos diziam alguns; nada se respeita diziam outros. Com irritação e tristeza corriam os comentários.
É a falta de respeito pelo espaço público que me leva a uma reflexão. O espaço público pertence a todos e é para ser usado por todos os que o desejem. É colectivo e por ele temos também a responsabilidade, porque nos pertence sem definir partes privadas só nossas. Sabemos que uma autarquia é a responsável primeira pela sua conservação. Neste aspecto, a autarquia de Castelo Branco cumpre a sua parte e faz jus da limpeza das ruas, jardins, praças, preocupando-se com a conservação, alindamento ou mesmo alterando para ser mais agradável ou cómodo e proporcionar o sentir-se bem de cada munícipe. Todavia, há depois a responsabilidade de cada um integrado na comunidade. Pus-me a reflectir sobre o assunto e a interrogar-me sobre o porquê de certos vandalismos e sobre a destruição que alguns levam a efeito, apesar de lhes pertencer também o espaço que destroem. É uma falta de respeito pelo próximo, denunciando falta de sensibilidade e afecto, demonstrando o seu ridículo contributo para negar aos outros o direito à cidade.
Penso que é necessário fazer uma condenação mais audível e mais frequente perante estes actos de desrespeito. Quem não se irrita quando vê alguém cuspir ou escarrar no chão da rua?! Arrepia (e é perigoso com tantos vírus à solta…), mas calamo-nos… Quem não se irritou por ter visto algumas das letras luminosas que diziam Posto de Turismo arrancadas?! Na altura, o Presidente Joaquim Morão insistiu várias vezes em repô-las, mas depois de uma e outra e mais outra reposição acabou por mandá-las substituir por letras sem luz e menos chamativas. Quem não se irrita quando procura lugar para estacionar em determinada rua e vê que houve um certo cidadão que ocupou o lugar de dois carros, estacionando mal?! Comportamentos de insensibilidade, de indiferença egoísta em relação ao próximo. E a enumeração de casos seria longa…
Falta de educação pronuncia-se muito. Família e Escola têm responsabilidades na construção de um ser social mais competente no desempenho da cidadania. Acrescento palavras de Durkheim: «A construção do ser social, feita em boa parte pela educação, é a assimilação pelo indivíduo de uma série de normas e princípios — sejam morais, religiosos, éticos ou de comportamento — que balizam a conduta do indivíduo num grupo». Não nos tornemos ainda mais culpados com o nosso silêncio.