Edição nº 1682 - 17 de março de 2021

Maria de Lurdes Gouveia Barata
IR PARA O SOL…

O sol aconchega o dia. Dourado, quente, que a pele e os olhos agradecem. Céu muito azul, como exige um certo esplendor depois de dias de carranca nublada, escura, tristonha. Há passeantes a regalar-se com o sol pela rua, passeio higiénico, que é necessário e serve de desculpa para escapar à clausura de há bastante tempo. O sol tem o poder da luz, da quentura e da beleza que faz revelar. Simbolicamente associado à vida, à energia, é uma força vital imbuída dum poder cósmico, estando ligado à vitalidade, ao conhecimento, à paixão e ao amor. Como pai-fecundador manifesta-se nas festas orgíacas com fogueiras (nada mais relacionado com o sol do que o fogo) – as Festas do Sol, no Peru, um dos destinos turísticos mais emblemáticos do mundo. Do Sol depende a vida no nosso planeta. Não admira que todos desejemos sentir os raios de sol sobre a pele, porque o sol é a própria vida. Lembro quatro versos dum poema de Rimbaud: «Ela foi encontrada! / Quem? A eternidade. / É o mar misturado / Ao sol.» Claro: fogo e água. E o mar! Agora só vejo o mar no passeio dos outros numa marginal que a televisão mostra. As imagens vão preenchendo desejos e o mar ao fundo faz esquecer as desgraças que constroem sensacionalismo nos canais televisivos.
Neste momento estão a falar das variantes do vírus. Cuidado no desconfinar! A benevolência das medidas do Natal não trouxe bom resultado e só não aprende com a experiência quem é parvo. Mas, afinal, saio um pouco ou não? Também preciso de apanhar o sol na rua, andar, apesar da máscara, que incomoda um pouco, que já faz parte da indumentária, seja ela de cerimónia ou de desporto. Vamos lá ao passeio higiénico, quero escolher ruas com pouca gente, só com a companhia do sol.
O governador do Texas é que não esteve com meias medidas: abertura a 100% do comércio, desconfinamento, isenção do uso obrigatório de máscara. Seguiram-se alguns outros estados na mesma linha. Gostei daquela referência de Joe Biden ao pensamento neandertal que se pode atribuir ao levantar de restrições num país tão massacrado pela pandemia. Nós por cá temos estado com algumas festas ilegais (acontece um pouco pelo mundo…). Não entendo as manifestações contra o confinamento, como se fosse um corte ameaçador de liberdade, uma vez que está em causa um problema colectivo de saúde pública. Claro que estamos todos contrariados, até com angústia, pela privação do convívio e pelos limites da mobilidade. É tão bom ir para o sol no sentido de andarmos despreocupados e até arrebatados com alegrias quotidianas. Fico a pensar como é possível ter atitudes contra a ciência, como se espalham falsidades (por exemplo, as máscaras matam – já ouvi…) e como as redes sociais espalham falsas notícias, incentivam ódios e apelam à violência, frequentemente usando uma técnica da moda: as falsas notícias, caindo em falta de espírito crítico dos que se deixam convencer à primeira. Ouvi num debate Carlos Fiolhais dizer que «estamos num mundo de ruído» e concordo. É perigo que espreita e perturba a própria saúde mental. A liberdade individual é sagrada na construção da liberdade de todos numa democracia em que se devem ouvir as várias vozes. Porém, essa liberdade individual está sujeita ao bem comum, com o risco de se cair em egoísmos e de prejuízo do próximo. É como diz Miguel Torga nos dois últimos versos do poema «Liberdade», com estrutura de padre-nosso: «Liberdade, que estais em mim, / Santificado seja o vosso nome.». Fernando Pessoa reforça esta ideia: «Primeiro sê livre; depois pede a liberdade».
E tudo isto começou com o sol… Conquistar um lugar ao sol é metáfora que traduz o conseguimento duma posição de honra ou vantajosa, de visibilidade, como é o sol que permite a visibilidade. Mas o que me aquece e dá alento é ir para o sol, é estar ao sol – é a fonte da vida. Ninguém ignora esse consolo. Todavia, depois de tudo o que escrevi, deduz-se que todos almejamos um desconfinamento, mas seguro, tendo a liberdade de ir para o sol. Eu desejo muito ter a liberdade de ir para o sol junto do mar. Não resisto ao poema «Liberdade» de Sophia de Mello Breyner Andresen, porque a Natureza nos faz sentir mais esse dom:

LIBERDADE
Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

E agora vou ao passeio higiénico, vou para o sol…

17/03/2021
 

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