João Carlos Antunes
Apontamentos da Semana...
ALGUMAS REFLEXÕES DE UM AZEITONEIRO de fresca data. Começo por anunciar que, pelo menos que me lembre, nunca comprei um litro de azeite que fosse num espaço comercial. Sortudo, dirão. E eu confirmo, também por ter um pai que plantou, cuidou e colheu até não ter forças o fruto das oliveiras da família. Mas os anos pesam e a partir de certa altura, quem escreve estas linhas teve de passar a estar mais presente nestas tarefas tão distintas das que ocuparam o seu dia a dia durante dezenas de anos. E tomei gosto pela tarefa. Que me ocupam agora durante pelo menos 3 semanas. Não se retire daqui que o tamanho do olival seja proporcional. Acontece que o rancho é muito pequeno e limitado na competência. Por isso, apesar de haver certo prazer num trabalho que enche de vozes os campos da aldeia, que traz muitos dos aqui tiveram a sua infância vivida, mas descem cada ano da capital ao campo das suas raízes, apesar deste prazer, o cansaço físico traz consigo algum natural enfastiamento. Na nossa região, o tipo de olival e a orografia não permitem, a não ser na campina de Idanha, a mecanização como a que vemos nos campos alentejanos. Por isso, o subir e descer escadas, encavalitar-se numa oliveira que era fácil para qualquer puto, é agora uma aventura que faz muito azeitoneiro cair de maduro e terminar numa cama de hospital.
Mas se pensa que colhida a bela azeitona, está o assunto resolvido e arrumado, está bem enganado. Começa então outra aventura, a de escolher o lagar onde vai obter finalmente o produto do seu trabalho. Escolhe-se o lagar, na certeza de que terá um longo dia pela frente, pior que a entrada em Lisboa em hora de ponta, com a fila de viaturas apinhadas de sacos, que veem ao mesmo. Horas de espera, só suavizadas pelo delicioso aroma a azeite novo que ali se respira e pelas conversas que vão acontecendo, lamentos sobre o fato de a azeitona este ano estar a fundir pouco. E é impossível não recuar no tempo em que não havia aldeia que não possuísse um ou mais lagares. Onde se podia conversar com o mestre e visualizar todo o processo de produção. E lembrar os meus tempos de infância, igual a todos os que a vivenciaram numa aldeia, quando ia ao lagar depois da escola, com uma grande fatia que a minha mãe cortava do pão cozido no forno do quintal feito com a farinha do trigo semeado pelo meu pai e feito farinha no moinho do ti Pisco. Torrado no borralho da fogueira do lagar, o mestre pegava no pão e mergulhava-o na tina, a tarefa, para onde corria em bica o azeite acabado de obter das prensas. As tibornas, que ainda agora nesta época fazem parte dos nossos hábitos alimentares.
São hábitos alimentares saudáveis, o consumo de azeite em cru, que me parecem estar em risco em muitas casas, se se mantiver a tendência de aumento brutal de preços. Infelizmente haverá muitas famílias que vão ter de optar pelo consumo de óleo alimentar, porque não vão suportar preços de azeite a ultrapassar os dez euros por litro. Um aumento brutal de mais de sessenta por cento que vai matar o consumo e talvez deixar muito azeite na casa do pequeno produtor.