Edição nº 1873 - 11 de dezembro de 2024

José Dias Pires
O (MEU) DILEMA DA ESCOLHA NA LEITURA E NA ESCRITA

Quem nunca quis saber o que se passa na cabeça das pessoas que estão à sua volta? Roubar-lhes as ideias? Eu sei o que sempre quis: roubar e ser roubado.
Pois é, as palavras são instrumentos de comunicação, e o dilema da escolha de como as apresentar é tão antigo como o tempo.
Com o tempo aprendi que percorrer demoradamente os caminhos não é o mesmo que caminhar devagar. A mandriice (por andar muito devagar) é facilmente apanhada por todos os vícios, e a demora (por ser cuidadosa) pode ser o tempo de atenção que antecede o amor (e a verdade da escrita, mesmo quando se mente).
Verdade e amor, percursos simultâneos de um mesmo caminho (tempo) que, se não nos perguntam, sabemos o que é, mas que não sabemos explicar a quem no-lo pede.
Com eles (os mestres e o tempo) descobri que duvidar é viver, e enganar-se existir. «Não temas, muda de ideias sempre que estás mais informado.»
Hoje sei que se quero conhecer uma pessoa não lhe pergunto o que pensa mas sim o que ama. Depois, se precisar de uma mão amiga, recordar-me-ei que tenho duas.
Parece poesia? É apenas a antecâmara da amizade e do companheirismo que antecede a paixão e a completa, em livre arbítrio.
Agradeço à vida ter tido (e ter) companheiros que foram (e são) motivo de preocupação porque nunca desistiram de viver (apesar dos sorrisos) com os autores e as suas palavras, mesmo quando as rejeitam. Sei de poucos que passado o martírio da leitura obrigada (do que nunca escreveriam) se não sentiram morrer devagar, num discreto silêncio, depois de almoços, aparentemente alegres, onde no fim se limpavam as bocas em pedaços de papel rasgados de si mesmos. Lembro-me de alguém, que foi obrigado a editar, a contragosto, um jovem poeta galego, me dizer: «Prometera-me enterrá-los a todos no cesto dos papéis» — como quem se sente incapaz de disfarçar a nódoa de molho de cerveja no laço cor de vinho tinto que sempre sobressaía na imaculada camisa branca.
Fortuna, destino, fado — assim eu (e todos os) que sem futuro.
José Rodrigues Miguéis, foi o meu definitivo mestre de escrita que, na minha censurável e desregrada imaginação me perguntou:
«Para que andas tu a fazer-te discípulo, à procura do Verdadeiro Método de Estudar a Escrita, se não escreves? De que te servem as lições sobre diálogo e maiêutica de Sócrates, se te limitas a jogar um xadrez de palavras com quem te é próximo? Como instrumentalizas o livre arbítrio de Agostinho de Hipona e a narrativa fantástica de Mendes Pinto, se te limitas a ser o escritor frustrado de outros autores, verso e anverso numa narrativa fantasiosa que não é tua? Ladrão de ideias, e isso basta-te? Resolves assim o desconcerto do mundo que aprendeste em Camões, ou será que julgas ter descoberto o caminho marítimo para a história do futuro que nem Vieira (o dono das palavras) conseguiu nos seus repetidos naufrágios? Sei, vives a comédia humana de Balzac com a emocional, dramática e violenta narrativa de Tolstoi, primeiro, e Irving Wallace, depois.
Que posso eu ensinar-te, se me desejas mestre. Que quererás aprender, se te ofereces discípulo?
Olha-me. Eu, dizem de mim escritor, estou hoje esquecido, ou quase (injustamente, acho eu que não fujo à regra da autoestima, e sou admirador confesso do teu teorema do desprezo) porque me sei escritor de primeira água (minto sem pré-lavagem), e vivo triste nesta eternidade por não ver os meus livros à venda sabendo como se transaciona por aí (ao deus dará) contrafação literária.
Fui acusado de ser (irrecuperavelmente) queiroziano (cá me importa). Limitei-me a romper com a estrutura do romance clássico, à moda dos realistas, quando foi preciso «mudar de plantação na nossa quinta», mas não inventei nada que Joyce, Musil, Kafka, Virgínia Woolf, ou Robbe-Grillet não tenham feito. Achas que é de hoje o movimento que entendeu ser preciso romper com estrutura, sintaxe, temática, pontuação, ortografia, enfim, com tudo o que para os mais clássicos (e seus neófitos) foi entendido como a morte do romance? O seu funeral já foi e eu estive lá. Agora moro com eles no mesmo panteão.
Se queres ser novo (caso queiras a escrita, coisa que duvido) desconstrói, mas recupera certas exigências narrativas, assimilando porém as novas possibilidades. Não alinhes com os neo-neorrealistas (se tal espécie existe), mas não rompas com a estridência do Vergílio (Ferreira). É sempre vantajoso manter-se um certo entre cá e lá e navergar (ouviste bem) por cima de todas as águas. Assim eu, por fidelidade aos meus mestres (Camilo, Brandão e Dostoiévski).
Queres-me teu mestre? Usa uma linguagem ágil e essencial para que a narrativa não pareça precisar das palavras para se apresentar a quem lê. Os romancistas andam todos a tentar imitar o Eça (todos). Tenta ser menos formal, mais dúctil, mais psicológico, mais angustiado, menos irónico, e sobretudo nada cáustico. Mas não deixes de ter cor, agilidade, amor às pessoas e às coisas, aderência (nunca adesão) narrativa às histórias e às situações que te distanciem e te tornem muito mais moderno. Amém.»
Quem nunca quis saber o que se passa na cabeça das pessoas que estão à sua volta? Roubar-lhes as ideias? Eu sei o que sempre quis: roubar e ser roubado.
Processo demorado, leva anos. Mas que, uma vez concluído, nos leva a morar no pensamento das nossas vítimas.
Um dia (se me apetecer) revelar-vos-ei com mais detalhe este meu segredo.

11/12/2024
 

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