João Carlos Antunes
Apontamentos da Semana...
A MURALHA DA CIDADE cedeu à invernia e desmoronou. Quem estava atento e por ali passava, já tinha tomado nota e comentado as fendas que a muralha apresentava. É o que acontece quando não se tratam rapidamente os sintomas de degradação. Esta poderá ser uma parábola sobre o que, por estes tempos, está a acontecer no Mundo. Em que muitos se perguntam se alguma vez o Mundo voltará a ser como as atuais gerações, o conheceram. O que é importante é tomar atenção às fendas que mesmo o mais distraído descobre, no processo (contínuo) de construção democrática da sociedade. Existem riscos evidentes no futuro das sociedades até agora santuários da democracia liberal, em particular na Europa e nos Estados Unidos.
Atualmente, o maior perigo, capaz de minar todo o edifício democrático, tem um nome e chama-se Trump. Para quem tivesse dúvidas de que Trump 2.0 é mais perigoso do que a versão primitiva, aí está a comprová-lo a enxurrada de ordens executivas, cada uma a mais mirabolante, como a de libertar todos os 1 500 invasores do Capitólio incluindo os que mataram ou feriram polícias. Até senadores republicanos temem que isto seja um estímulo à criação de milícias armadas. Ou a deportação em massa de imigrantes ilegais, com perseguição de outros, baseada em denúncias de vizinhos, que têm há muitos anos residência e trabalho. Como se sente o americano médio quando vê as imagens dos imigrantes a chegarem aos seus países algemados e agrilhoados? Já não falo nos fanáticos MAGA (make america great again), esses seguirão o Messias mesmo que saia à Quinta Avenida a disparar a matar (Trump dixit). Claro que estas decisões de Trump vão minar o estado de direito e quero acreditar que haverá sempre alguém capaz de fazer frente ao megalómano, sem pinga de compaixão pelo outro, que está a caminho de construir um estado autocrata.
Mas já uma vez o escrevi, e repito, que mais que Trump, temo a oligarquia tecnológica, multibilionários donos das plataformas das redes sociais. Talvez agora se entenda melhor o objetivo da compra do Twitter (rebatizado X) por Elon Musk. Ele queria um megafone que pudesse fazer chegar a todos os recantos do Mundo a sua mensagem de ódio, xenofobia e de extrema direita nazi (o seu gesto de saudação nazi não engana). Não se desvalorize a ameaça, porque pode ser tarde quando acordarmos para a dura realidade. Com a política tóxica de Trump a contaminar o Mundo, as redes sociais vão alargar as brechas e podem fazer desmoronar o edifício democrático que tanto custou a levantar. Como escreve no Público de segunda-feira Volker Türk, alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o anúncio da Meta (dona do Facebook, WhatsApp e Instagram) de que está a reformular as suas políticas de moderação de conteúdos e verificação de factos, assim se juntando ao X, deve alarmar todos os que se preocupam com a liberdade de expressão.
Mesmo que eles aleguem que com estas medidas pretendem proteger a liberdade de expressão, serve principalmente para disseminar notícias falsas e mensagens de ódio, o que Elon Musk faz muito bem com a manipulação do algoritmo para assim influenciar eleições. Pedro Sanchez, chefe do governo espanhol, já defendeu que, cumprindo as regras europeias, se devem enfrentar com multas pesadas e prestação de contas. Diz ele, com toda a razão, que se alguém sofrer uma intoxicação alimentar num restaurante, o dono será responsabilizado, porque não fazer o mesmo a uma plataforma digital que espalha deliberadamente a desinformação que corrói a democracia?