Antonieta Garcia
ESTRELA E BETA E PÉ CALÇADO
- Esta garota é uma estrelida!!! – criticava uma vizinha de muitos anos.
Teria razão? Estrelida ou estrelada? E há os estrelados: os ovos. Neste caso a voz é estrelida, irmã do estrugido a manifestar-se irritante, a rechinar e a queimar com excêntricos salpicos que saltam do azeite e borrifam as mãos a fervilhar; como quem não quer a coisa, no contexto, baixinho, pessoas cobertas de boa educação desprendem uma palavra proibida, abrasam boas maneiras e deslaçam o diabo o mais capaz de inventar sílabas e palavras sonoras e descorteses.
Diz uma amiga:
- Sabes qual é o teu mal? É seres embirrenta, emburrica e responderes com mau feitio; guardas no saco todas as pragas para enervar quem te ouve!
A verdade é que muda-se uma letrinha e tudo muda de figura! Estrelada é palavra aberta. Estrelada é a Estrela de luz, a estrela d’Alva. A serra onde se contam estrelas desengana quem pensa em frio e luz. Alisam-se os sentires que a paisagem é bela demais. De assombrar é a Estrela do Pastor coladinha ao céu de veludo preto-azulado da montanha. Qual é a minha estrela?
O Pastor é uma alma lavada! Na companhia do rebanho e do cão da Serra, sempre fiel, toca pífaro, canta, batiza as cabritas que, no gado, são as amigas do peito.
De barriguinha cheia e cansados, quando a lua começava a querer mostrar-se, dormiam, que amanhã era outro dia. Cada bicho com seu feitio, uns dão as boas-vindas ao regresso, cantam e saltam. Outros, desesperados, mais não fazem do que manifestar muito sono...
Estrelidas, as cabritas arrastam os úberes cheiinhos de leite até doer! Quando chegam a casa, as pitas malucas já estão no poleiro. Alguns ovos não tardam a entrar nos pratos, como omeletas gigantes, ou ovos estrelados, para ser mais depressa.
As mãos batem e sacodem a massa, o forno está quente, o pão com o leite para amanhã promete.
Os pastores conhecem a serra da Estrela como as suas mãos. Às vezes, têm medos. E não é vergonha senti-los. É humano. Com a coragem que têm os que vencem e superam a vontade de fugir, tremendo com os uivos do lobo, ao anoitecer. Naquela quinta, aquele senhor todo-poderoso sabia que perto dele os lobos não se chegavam. Mas, esfomeados não poupavam galinhas, coelhos e outros bichos, que se atravessassem no caminho.
No tempo em que os animais falavam, garantiam conhecer todas as formas de bem roubar. Mentiam com todos os dentes, como comilões de dólares e de outros bens, sem pingo de vergonha. Reuniam-se num palacete, odiavam jornalistas que recusavam ser a voz dos donos, que prendem a ciência, a arte e maldizem a educação, a saúde... e protegidos por muitos ladrões de estrela e beta e pé calçado, são manhosos, finórios e mandadores sem lei. Ainda se lembram? Ai que saudades de Abril!...