Valter Lemos
A MAMA E A AGENDA POLÍTICA
Não sei se a ministra Maria do Rosário Palma Ramalho deu de mamar às suas duas filhas e durante quanto tempo. Mas sei que parece um pouco estúpido diminuir os direitos e condições de maternidade e paternidade num país que tem uma das mais baixas taxas de natalidade do mundo.
Para justificar tais medidas a ministra utilizou a tática do costume: fazer ressaltar os casos menos próprios ou injustificados e generalizar como se esses fossem a regra. É a tática habitual do Chega sobre a emigração ou o rendimento mínimo. Mas isso funciona bem com o eleitorado próprio daquele partido, mas não é tão eficiente com eleitores politicamente mais informados ou estruturados em que o sentido de justiça social está mais fundado numa matriz cristã, liberal ou social-democrata e menos na mera inveja social.
É óbvio que parece até ridículo que haja amamentação até à idade escolar, mas também é óbvio que tais casos são residuais e a ministra, que é professora catedrática de direito, devia abster-se de usar tal exemplo como se o mesmo representasse a generalidade das situações.
O que verdadeiramente está em causa é se os direitos associados à condição de maternidade devem ser mantidos, ampliados ou diminuídos. E a ministra parece querer que sejam diminuídos, mas na ausência de uma razão justa ou de um objetivo social relevante, tenta justificar essa medida com a tática do exemplo excecional assumido como geral.
O atual governo tem mostrado vontade de diminuir os direitos sociais e políticos dos trabalhadores em geral, mas é um pouco surpreendente que seja uma mulher a querer cercear direitos associados à maternidade e é ainda mais surpreendente que seja esse o sentido da política dos direitos sociais e laborais em Portugal. O país tem uma taxa de fertilidade (1,43 filhos por mulher) abaixo da média europeia (1,46) e que teve uma ligeira subida nos últimos anos devido aos imigrantes, senão seria muito pior (já chegou a ser de cerca de 1,2). Todos os estudos da OCDE e da UE mostram que as principais causas de tal situação têm que ver com falta de direitos e condições socias dos jovens casais, quer no respeitante às condições de maternidade e paternidade, quer na compatibilização das condições laborais com as condições familiares, quer os fracos apoios à família e à habitação, apesar do passo importante, mas insuficiente, dado pelo último governo do PS e também algumas camaras municipais, como a de Castelo Branco, com a gratuitidade das creches e do pré-escolar.
Por tudo isso seria aconselhável revisitar os direitos e condições de maternidade e paternidade, mas não no sentido de piorar as condições laborais, mas de ajustar essas condições às necessidades de melhoria da adequação com as condições familiares e sociais melhorando as condições dos jovens casais e estimular o aumento da natalidade. Era o que seria de esperar do Governo, tanto mais que que tais objetivos se enquadram numa orientação democrata-cristã e social-democrata que pressupostamente seria seguida pela atual governação.
Assim, não pode deixar de parecer estranha e até estúpida uma política de ataque às condições de maternidade num país que tem necessidade e interesse em aumentar as taxas de fertilidade e de natalidade. Mas o governo parece mostrar uma grande vontade de fazer política mais centrada em capturar eleitorado ultraliberal e chegano do que em seguir uma agenda própria talvez menos estridente, mas mais racional e eficaz na resolução dos problemas do país.