Antonieta Garcia
... NO TEMPO DA MARIA CACHUCHA...
Há, sem dúvida, ditados populares com uma longevidade luxuosa. Muitos, nascidos no tempo da Maria Cachucha, continuam a incorporar, na comunicação do quotidiano, estas frases velhinhas. Que tempo era este?
A Cachucha era uma dança espanhola com toques de flamengo sapateado ao ritmo de castanholas. Era popular em Espanha, França e em Portugal apoiada por uma canção que o povo dançou, cantou e recriou com frequência. Andava nas vozes de jovens e menos jovens.
No país, ouvia-se uma adaptação da Cachucha espanhola. Pensando e verificando o sucesso do texto musical, o português juntou-lhe rimas que perguntavam: “Maria Cachucha, com quem dormes tu?” São versões diversas de resposta à questão colocada: “Durmo com um gato de nome Lulu ”, ou: “Durmo com um gato dentro de um baú”, ou...
Procurem-se harmonias para o “tu” da cantiga. Resulta? A cantilena vai continuar a andar versejando com maior ou menor habilidade.
Património muito rico, empregamos, “por dá cá aquela palha”, provérbios, adágios, aforismos, ditados, máximas para informar melhor e respeitarmos um possível e desejável bom gosto.
Ora, no tempo de uma outra dança, diz-se que “são necessários dois, para dançar o tango”. Música tradicional da Argentina, tornou-se um símbolo cultural hoje partilhado, na América, na Europa... Aos pares, pede-se competência. As coreografias são soberanas se mostrarem sensualidade, paixão. E o casal desliza no espaço, exibe mestria corporal, união e ligação. Desde 2009, o tango é considerado pela UNESCO, Património Oral e Imaterial da Humanidade.
Nascido em Buenos Aires, ouve-se e baila-se pelo mundo... Nas noites de sexta-feira, na penumbra, nada melhor do que deliciar-se com um velho tango e celebrar com um cálice de vinho, a alma dos bailarinos. Se acertarem bem, os “dois” chegarão a um consenso.
Dança da população suburbana, boémio, o seu ambiente natural era vivido nos bares, nos cafés. Soavam, então, o violão, a flauta e o violino. Inclua-se ainda um pequeno acordeão.
No princípio, a execução desta dança pertencia a dois homens; depois, passou a ser interpretada também por mulheres. Criou-se um fandango à portuguesa. O tango foi aceite pela burguesia e ganhou os salões, por volta de 1910. E “são necessários dois para dançar o tango” ... Bailia do amor?
Atualmente, a alma do tango saiu para as ruas, passeia-se em festas e baila; ouvem-se suspiros de amor, a paixão a sussurrar músicas que incendeiam fascínios a haver. O tango é a melodia que lábios atrevidos, sedutores, perdidos, mais escondem do que mostram.
Dança tradicional entre dois rapazes, ou duas raparigas, é também a manifestação tradicional de um desafio da arte de amar, bailado ao estilo de um fandango. Nas romarias da Beira, a festa na rua, joga-se com um cacete atravessado no chão; um bailador, à entrada, percorre a dimensão do pau, sapateando, sem o pisar; no lado oposto, quando o primeiro acaba, inicia-se a dança, pelo lado inverso. E vence ora um, ora outro, o sapateado a bater a preceito. Afinal, vemos uma dança de discussão entre os melhores. Em Silvares, concelho do Fundão, não há festa nem dança onde não “baile a Maria Constança”. Verdade que o bailado promete um bom dia. Assim:
“Bailou bem o Zé / Bailou bem o Zé /Se queres bailar bem / Bate bem o pé//”
- Desabafa a dançarina:
“Esta noite sonhei contigo / Contigo e com mais alguém / Mas este sonho que eu tive / Eu não o conto a ninguém /.
Os teus olhos meu amor / São duas azeitoninhas / Fechados são duas rosas / Abertos duas rosinhas. //
Maria, Maria Cachucha e Maria Constança ... três Marias com histórias de encantar?