Edição nº 1923 - 3 de dezembro de 2025

Guilherme D'Oliveira Martins
RECORDAÇÃO DE MARIA BARROSO

Maria Barroso e Mário Soares são um símbolo fundamental do pensamento e da prática da democracia no Portugal Moderno. Trata-se de um duo que funcionou sempre como uma equipa em que a coerência e a sensibilidade se associaram na perfeição, em nome de uma atitude humanista como aguilhão capaz de mobilizar os cidadãos para a liberdade e a justiça. Como educadora, Maria Barroso ligou a sua atividade cívica e política à ideia de emancipação pedagógica, uma vez que a função essencial da escola tem a ver com a preparação de jovens para a liberdade e para a responsabilidade de modo que a participação e a representação constituam meios eficazes para a defesa do bem comum. A república escolar de António Sérgio constituía a base do autogoverno democrático que os grandes pedagogos defenderam, ao invés da demagogia e da tentação de cultivar falsas soluções assentes na ilusão dos salvadores providenciais…
Leonor Xavier quando escreveu Um Olhar sobre a Vida de Maria Barroso (Oficina do Livro, 2012) compreendeu-o perfeitamente que a educação, a cultura e a vida cívica se misturam naturalmente na vida da sua biografada. No percurso que analisou com grande cuidado e rigor dá-nos a dimensão de uma personalidade fascinante, com uma vocação própria que se afirmou com qualidades extraordinárias ao longo da vida, como aluna do Conservatório, como estudante da Faculdade de Letras, como artista de eleição do Teatro Nacional, com reconhecimento unanime, e naturalmente como pedagoga, como parlamentar e militante da sociedade civil.
Encontramo-la, nascida numa família algarvia de raiz democrática, com o pai preso e deportado para os Açores. Frequentou o Liceu Dona Filipa de Lencastre e foi aluna do curso de Arte Dramática. Depois de concluir o curso dos liceus no Pedro Nunes, inicia a frequência de Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras. David Mourão-Ferreira recorda esses tempos, no Convento de Jesus: “Mal nos apercebíamos da luminosa rede de afetos que ali se ia tecendo”. Tal grupo reunia personalidades que viriam a ser marcantes na cultura portuguesa: Sebastião da Gama. Luís Filipe Lindley Cintra, Matilde Rosa Araújo, Eurico Lisboa, Maria de Lourdes Belchior, Joel Serrão, Helena Cidade Moura. A jovem Maria de Jesus destaca como mestres Vitorino Nemésio, Jacinto do Prado Coelho, Hernâni Cidade, Andrée Crabé Rocha e Virgínia Rau, admirando especialmente Delfim Santos professor da Filosofia Antiga ou Vieira de Almeida na cadeira de Lógica.
Segue escrupulosamente os ensaios no teatro. A mãe acompanha-a e fica à sua espera no camarim, durante as representações noturnas. Estreia-se no Teatro Nacional em 1944 no Auto da Pastora Perdida e da Velha Gaiteira de Santiago Presado. Norberto Lopes fala de “uma promessa radiosa com a qual o teatro português deve contar”. Nos corredores da Faculdade conhece Mário Soares num episódio ligado a uma injustiça de que foi vítima por uma falta inexistente dada pelos compromissos com o teatro. Em maio de 1945, participa na grande manifestação estudantil do final da Guerra em que Mário Soares intervém, mas tem de correr para o ensaio geral no Teatro Nacional. Representava o papel de Elsa, a dactilógrafa, na peça Vidas sem Rumo, com Raul de Carvalho, Paiva Raposo e José Gamboa. Pouco depois, por escolha da própria Amélia Rey Colaço desempenha em Frei Luís de Sousa o papel de Maria de Noronha, ao lado de Palmira Bastos, destacando-se junto do público e dos críticos, pela segurança e pela emoção com que representa. Fernando Fragoso dirá “É um atriz que sobe a olhos vistos. E defendeu-se briosamente envolta num halo de graça e de frescura”.
No tempo do MUD juvenil e do final da Guerra, que exigia abertura democrática, Mário Soares é preso em 1947 e o regime endurece na perseguição aos seus opositores. Maria Barroso anima memoráveis recitais poéticos. Diz poemas como ninguém. São extraordinárias as suas intervenções, começadas em Santarém, que logo alertaram a polícia política. Traz para a praça pública a poesia do Novo Cancioneiro empolgando um público entusiástico. O poema de Álvaro Feijó Nossa Senhora da Apresentação era emblemático – “Aquela que não tem mantos da cor do céu / Aquela que não tem fios nos cabelos”, numa denúncia forte da injustiça, da miséria e da fome. Mas também fazia ouvir as palavras inesquecíveis de Mataram a Tuna, de Manuel da Fonseca – “Ah meus amigos desgraçados, se a vida é curta e a morte certa / despertemos e vamos / eia / vamos fazer qualquer coisa de louco e heroico / como era a Tuna do Zé Jacinto / tocando a marcha Almadanim!”.
No Teatro Nacional, o seu desempenho continua a destacar-se. Robles Monteiro convida-a para protagonizar Benilde ou a Virgem Mãe de José Régio. E este faz-lhe confiança. É um grande sucesso, que entusiasma o próprio autor. Norberto Lopes diz: “Dentre a gente nova (…) permitimo-nos destacar o nome de Maria Barroso, que está em plena curva ascensional de uma carreira brilhante, onde pode vir a ocupar um lugar de primeiro plano, se os fados não a desviarem do caminho florido que tem à sua frente”. O final do texto revelar-se-ia profético, por más razões. A polícia política rondava. Infelizmente, com a terceira prisão de Mário Soares, coincidente com a encenação de Paulina Vestida de Azul, de Joaquim Paço d’Arcos, vem uma terrível decisão. Não poderia continuar a trabalhar no D. Maria II, por uma ordem vinda da polícia e do Ministério da Educação. “Foi um desgosto. Senti que era uma injustiça” – confessa Maria Barroso. Amélia Rey Colaço considera um golpe fatal, que atinge o coração do Teatro.
Ao reler Leonor Xavier, sentimos saudade e gratidão. E não esquecei o dia em que, convidando-a para evocar os Cadernos da Poesia, e sem qualquer preparação, foi possível ouvir a sua voz fantástica a recordar a grande poesia como voz de liberdade. “Porque os outros vão à sombra dos abrigos / E tu vais de mãos dadas com os perigos. / Porque os outros calculam mas tu não” – como disse Sophia.

03/12/2025
 

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