Fernando Raposo
Apontamentos para uma melhor compreensão da obra de arte contemporânea
Embora a arte contemporânea comece a ganhar maior visibilidade depois da 2ª guerra mundial, ela continua ainda a não ser objecto de consenso por parte dos autores quanto ao seu início e quanto à sua definição conceptual.
Sendo tarefa difícil, senão mesmo impossível, determinar o início exacto do período contemporâneo, importa antes reter a ideia de que a arte contemporânea surge em ruptura com a arte moderna e procura buscar nas verdades do inconsciente as inúmeras possibilidades criativas. Muitos artistas se inspiraram no impulso espontâneo dos desenhos das crianças e na arte primitiva.
Libertos dos cânones estabelecidos, os artistas nunca antes tiveram tão ampla liberdade, quer quanto ao processo criativo quer quantos aos meios ou recursos materiais e técnicas utilizadas. Assistimos na arte contemporânea, cujo lastro é bastante extenso - compreendendo inúmeros estilos e movimentos artísticos tão distintos – à ruptura com todos os conceitos que estiveram subjacentes à criação e apreciação da obra de arte.
Mais importante que a própria arte em si (Ana Santana, www.infoescola.com) é antes a sua possibilidade de questionamento sobre a sociedade, definindo-se assim a arte contemporânea como a correlação entre a arte e a vida.
É essa ousadia de nos interpelar ou questionar, uma das principais, senão mesmo a mais importante, característica da arte contemporânea.
Para o público mais distanciado da arte, como apreciar então uma obra de arte?
Bjarne Sode Funch (2000:109-125), professor e investigador na Universidade de Copenhaga/Dinamarca, refere a existência de cinco tipos de apreciação artística, de entre os quais sublinho apenas dois, tendo em conta o propósito destas notas. São eles a contemplação estética e a compreensão artística. Se no primeiro, nos limitamos a contemplar visualmente a obra, sem que seja mobilizado qualquer esforço cognitivo, no segundo, também designado por apreciação cognitiva da arte, o pensamento, as ideias e a reflexão do contemplador devem estar implicados.
Limitarmo-nos apenas a observar ou a apreciar visualmente a obra de arte contemporânea, sem qualquer esforço de reflexão, significaria tão somente um acto inglório que se esgotaria na simples expressão do “gosto” ou “não gosto”.
Daí que a compreensão artística, ou apreciação artística cognitiva, deva ser o tipo de apreciação a ser mais considerado pelo contemplador e que os serviços educativos de qualquer museu ou centro de arte não devem negligenciar.
Como cultivar então a capacidade de apreciação artística cognitiva?
Funch propõe-nos duas estratégias educacionais diferentes. Uma delas centra-se na obra de arte e outra coloca a atenção no observador ou contemplador.
Na primeira, que pressupõe uma abordagem direccionada, a observação das propriedades físicas, formais, ilusórias, iconografia, entre outras promovem e concorrem para a compreensão do significado da obra e das intenções do artista.
Perante a dificuldade do observador discernir sobre os dispositivos visuais utilizados pelo artista, nem sempre inteligíveis na arte contemporânea, a descodificação do significado da obra, tal qual a intenção do artista, torna-se tarefa difícil ou mesmo impossível.
David Perkins, professor e investigador na Escola Superior de Educação de Harvard, citado por Funch, propõe-nos, para que a percepção seja mais rica e inteligível (2000) que a atenção seja concentrada nas disposições cognitivas do observador e não tanto nas características específicas do objecto de arte.
Assim, cada observador buscará, a partir do seu quadro de referências, das suas vivências, das suas ideias e associações, mobilizando os seus recursos cognitivos, o seu próprio significado, dando sentido à obra contemplada.