Cesaltina Gilo
ESPAÇO – PALAVRA – PODER
Em que espaço se projecta o poder da palavra?
Será um espaço insaciável de mudança? Em toda a mudança existe um acerto entre a tendência natural de vida para a estabilidade que contém elementos contrários de afirmação e negação, os que germinam, imperativamente, dentro do processo histórico relativo à dinamização social. Será o poder da palavra um percurso de terreno movediço por campos e planaltos desérticos e cidades superpovoadas?
Como definir então o poder da palavra? Cito Georges Gusdorf: «Existe uma hierarquia de graus de significação desde o simples vocábulo, que se utiliza em palavra pela imposição de um sentido social, até à fala humana efectiva, carregada de intenções particulares mensageiras de valores pessoais». O homem transforma a sua maneira de falar e são palavras, frases, mensageiras de acções que se repercutem, isoladamente ou em grupo, que têm o seu espaço estrito ou um contexto mais alargado (região, país, mundo).
O uso da palavra trouxe-me à mente questionar histórias que minha mãe não me contou, mas que lhe ouvi entoar. Revelam tristeza, miséria, alegria, saudade: «Era já noite cerrada / dizia o filho p’ra mãe / debaixo daquela arcada / passava-se a noite bem… ; - Ó minha mãe / deixe-me ir hoje à festa / não há outra como esta / arco, fogo, música, / arraial tão lindo / moças e moços conversando e rindo. / Dê-me o chapéu fino / e a roupa asseada / que eu não devo lá ir / toda enfarinhada. / E se perguntarem / quem é a gaiteira / digam que é a filha / da Teresa moleira…; - Mocita dos caracóis / não me deixes, minha querida / Tu não ouves os rouxinóis / a cantarem como heróis / as canções da nossa vida? / Se abalares da nossa herdade / os teus encantos destróis / irás atrás da vaidade / que a moda lá na cidade / não tem desses caracóis…; - As meninas de Lisboa / todas cobertas de pó / fazem troça das ranchoas / afinal são como nós. / Julgam-se muito importantes / nós todos somos iguais / se elas são mais galantes / as saloias valem mais». Todas estas palavras enchiam o meu coração e ainda hoje nele ecoam.
Nessa altura, analfabetismo grassava principalmente nas aldeias, onde as pessoas idosas recorriam aos mais novos para, por exemplo, redigirem respostas à carta da filha que se ausentara para Lisboa e vinham sempre os imprescindíveis conselhos: «tem cuidado, filha, porque homens, três por nove ruas ainda são bastos como pêlo em cão». A nível de literatura também os cancioneiros se enchem de palavras de cantigas de amigo ou de amor, ou de escárnio e maldizer…
E o que é um homem de palavra? O homem de palavra foi sempre considerado como o homem detentor de valores como a honestidade e ser digno de confiança, indicativos de carácter. O respeito pela palavra dada é o respeito por outrem e ao mesmo tempo por si próprio, porque é testemunho da consideração que tenho pela minha pessoa. O perjuro desonra-se não só perante os outros, mas também aos seus próprios olhos.
Para terminar, transcrevo palavras televisivas, adaptadas à evolução actual: «Na época de 90 há palavras de gigante; no início da século XXI, as palavras crescem; em 2014 as palavras fazem opinião… Sabemos que os homens de hoje conhecem como banais a voz e a imagem de todos os grandes do mundo», porque as palavras correm o mundo.
Os homens de amanhã considerarão como banais as inovações de hoje ou seremos, a breve tempo, os bárbaros do futuro?
Será a palavra a capacidade do povo que rejeita a escravidão?