José Dias Pires
A PEQUENEZ DOS SENHORES DA GUERRA
Todos os anos terminamos um ano a fazer contas e começamos outros a fazer promessas. Temos o maior cuidado com as palavras negativas e tentamos, o mais possível, multiplicar o sim. Apesar disso, tudo indica que a palavra mais positiva para terminar 2017 e começar 2018 seja exatamente o não, porque as palavras valem o que tempo deixa que valham e dos tempos (e dos Trumps, nossos e alheios) são estes os sinais:
Na sua pequenez, os senhores da guerra julgam-se heróis, e lançam (como se fossem lápis do céu a desenhar, em branco, os riscos da morte) aviões mascarados de pombas.
Não.
Imitam, no pior, os irracionais. Ogivas, em fogo, são sempre os seus faróis que, sabem, irão iluminar, na terra, a mentira que constroem, como se fosse um véu, para enganar a sorte de quem recebe as suas bombas.
Duas vezes não.
Nas suas mãos ficará somente areia. Os ponteiros do relógio, que são construtores teimosos da ilusão do estio, hão de perder-se, na praia, como um grão, sabendo sempre o que acontece ao tempo, que pela mão se esvai.
Cinco vezes não.
Nas suas gargantas está a construção da teia que a todos enreda nos horrores.
Depois, fica, subitamente, o frio dos que, tendo tudo, não têm coração, porque ninguém nem nada os aquece, pairando secos quando a noite cai.
Dez vezes não.
Num passo, quase feito de magia, incendeiam, no mar, as suas fogueiras, como quem alimenta uma chama fugaz antes que chova, no medo, apenas um risco de memória no tempo, fazendo dessa perda o seu tesouro.
E fingem-se de peixes (que num instante esquecem o que fizeram no instante anterior) com uma alegria que deixa vogar, nas eróticas bandeiras, a pesca à força dos cardumes da paz.
Cinquenta vezes não.
Para quem não sente nunca é cedo para sentir, no amor, o sentimento que é sinal de algum pior agouro.
Eles sabem os rombos que fará a ordem dada, fingindo um mar tranquilo e sem baixios (como se o fundo fosse a tranquilidade da areia), e sentem a pequena dor do gozo, na jogada que farão na frota os seus navios, lançando aos outros a venenosa teia.
Cem vezes não.
Dói-lhes a conjugação do verbo ser, e é no verbo ter que se perfilam. Preenchem o percurso com músicas antigas, caminhando pela sombra (porque conseguem ver nos olhos dos que não sabem que eles destilam ódio e terror) em palavras aparentemente amigas.
Mil vezes não.
É sempre do presente que nos falam. Esta tontura não tem futuro e a força das palavras não depende da mão. Importa descobrir o que nos calam, iluminar tudo aquilo que hoje é escuro e gritar: CONVOSCO, NÃO!
Não aos deuses das primeiras filas! Não aos senhores das cadeiras do centro! Não aos que ficam no topo dos palanques! Não às palavras teatrais, tranquilas! Não à vertigem que as rói por dentro! Não aos donos dos aviões e tanques! Não aos que se sustentam dos outros, quais parasitas! Não aos que se reproduzem na tontura da guerra onde não há espírito, nem deus ou salvação! Não aos que usam as palavras mais bonitas para dizer que vão salvar a terra!
Permanentemente não!
Eles são, de facto, a sua perdição!
Tudo indica que os donos da maioria das palavras definitivas hão de tentar vender-nos o sim nos saldos negativos de Janeiro. O pior é que as palavras em saldo apenas valem um impiedoso embrulho de ilusões.
Paguemos-lhe com o não!
CONVOSCO, ETERNAMENTE NÃO!