Fernando raposo
REFRESCAR ABRIL
Alguns, nem sei se muitos ou poucos, desdenharam, na altura, da actual solução política que suporta o governo. Duvidando das suas possibilidades, depressa se apressaram a rotulá-la de “Geringonça”. Mas mais cedo do que previram, o tom jocoso com que se precipitaram a denegrir a “Coisa” se lhes escorregou pela garganta abaixo, porque a dita “Coisa” até funciona. O ambiente socialque se viveu antes da “dita”, fortemente crispado, é agora menos tenso, o ar que se respira é mais puro, a brisa do final das tardes é mais serena e suave e os dias de amanhã são também agora mais promissores.
Ao contrário desse tempo, Marcelo não se tem poupado a esforços a promover equilíbrios, a mobilizar os cidadãos e a incentivar os empresários e empregadores, gerando a confiança entre todos, o que não é coisa pouca, tornando-se também, desse modo, um parceiro construtivo da solução a que os mais conservadores e os chamados “velhos do Restelo” persistemteimosamente em designar de “Geringonça”.
Para aqueles que partilham do princípio de que “o sol quando nasce é para todos” e não apenas para alguns (esses que apenas vislumbram os bens do Estado como uma grande oportunidade de negócio) não importam os epítetos com que designam a “Coisa”, porque ela tem dado muitos bons resultados.
Atrevo-me a afirmar que esta é talvez a melhor solução de governo de que há memória. Trabalhosa, certamente, porque pressupõe um esforço permanente de concertação entre governo e os partidos que o apoiam, mas cujas soluções são mais reflectidas e justificadas em benefício do interesse comum.
Daí que não se espantem, sobretudo os mais cépticos, com a afirmação de António Costa de que esta solução é para continuar, mesmo ganhando as próximas eleições legislativas com maioria absoluta.
Os benefícios para os cidadãos são agora mais palpáveis, traduzidos na recuperação dos seus rendimentos (devolução dos cortes nos salários da função pública e reformados, aumento do salário mínimo e das prestações sociais). O défice é o mais baixo desde o 25 Abril de 1974, a dívida desce abaixo do que era estimado, a economia cresce acima da média dos países que adoptaram o Euro, as exportações estão a crescer de forma mais consistente e o desemprego continua a baixar.
Para os saudosistas do passado, que se recusam a aceitar as evidências, isto só pode ser obra de milagreiro, mas para Marcelo, opinião insuspeita, milagre só o de Fátima.
Passos, zangado, se com a vida ou se com o diabo, bem se contorce porque o raio do seu vaticínio mais catastrofista - qual profecia do Bandarra (poeta e sapateiro de Trancoso) – não se confirmou.
Como este, o Bandarra, que dizem “ter nascido em berço de ouro” e depois de ter desbaratado a fortuna e se tornou “sapateiro de correia”(creio que entre os artistas tal ofício era designado de albardeiro) , ficou só, também Passos, desacreditado pelos factos, é agora um homem cada vez mais isolado e até Relvas “o criador da criatura” parece ter-lhe virado as costas, reclamando primárias para a eleição do líder , quanto antes melhor.
Os resultados atrás referidos são razão bastante para compreender o propósito de António Costa quanto à sua disponibilidade de cooperação, no futuro, com os partidos que agora o apoiam, mesmo em situação de maioria absoluta. Mas haverá outras e que não serão despicientes para a qualidade da democracia, de entre as quais sublinho o sentido crítico e a atitude vigilante dos parceiros, condições essenciais para que “as ervas daninhas” não contaminem e comprometam o nosso futuro.
António Costa teve e tem consciência disso e a sua solução política, que embaraçou a direita mais conservadora e até, de entre os seus, os mais acomodados com o sistema, contribuiu para reforçar a democracia e assim refrescar Abril.