9 de janeiro de 2019

Antonieta Garcia
MUROS...

Era uma vez um homem tão rico, tão rico, tão rico que habituou o cérebro a planear unicamente a forma de aumentar cifrões. Um dia, decidiu candidatar-se à presidência de um país. Proclamou aos quatro ventos que não gostava de imigrantes, de minorias, maltratou mulheres… Ainda assim (ó céus!), foi eleito. Por quem? Durante a campanha eleitoral ameaçou ainda construir um muro. A palavra é medonha. Oculta, separa, deprime, proíbe o encontro com o Outro, isola. Que interessam os do outro lado? São pobres, insuportáveis os seus cheiros e ruídos. É preciso expulsá-los, ignorá-los, silenciá-los, repatriá-los.
Quando chegam, vivem em acampamentos. Agora, a chuva tamborila e molha; daqui a nada, a neve há de esfriá-los até à Alma. Em miséria extrema, arruínam-se, desesperam, exaustos. As lágrimas já secaram. O que tem em comum esta gente? Agruparam-na como?
O muro é uma armadilha. Fugiram da guerra, da fome, de uma vida sem amanhã. Tinham consciência que na viagem não lhes faltariam terrores de adamastores e mostrengos, a dor a doer nos limites da credulidade, a morte a existir-lhes a cada momento. Trazem rostos escalavrados. Desafiaram ventos e tempestades. Valeram as estrelas suspensas, a luz como esperança. E o azul. O chão enlameado gelava, mas o céu pintava-se de azul.
Por que não morreram? Agora, estão sitiados. Prenderam-nos. Nos ouvidos soam os soluços descompassados, aflitos dos filhos que lhes levaram. Para onde? Carregados de desconfianças, de suspeitas, exauridos por perseguições, tornaram-se mártires… de curta duração. Quem lhes conhece a história de vida? Quem se lembra do menino, Aylan? Afinal, as crianças que naufragam no mar Mediterrâneo tornaram-se um acontecimento corriqueiro; igual ao do sem-abrigo… Quem é responsável? Por onde anda a sorte? Que é dos meninos?
- Que é do meu filho?
Os anjos adormeceram os meninos? Os búzios que tudo ouvem sabem estas histórias. Hão de contá-las, se houver quem queira conhecê-las…
Em dezembro, foi um guatemalteco que, aos oito anos, morreu num hospital do novo México. Nos primeiros minutos do dia de Natal. Não teve prendas. Estava sob custódia do Governo dos EUA. Causas da morte? Que descanse em Paz!
As autoridades garantiram que será aberta uma investigação… para apurar as circunstâncias que envolveram a morte do miúdo. E a dos outros?
Também ouvimos e lemos o nome de Jacqueline a quem diagnosticaram uma grave desidratação. Oito horas depois de ser presa, contam, a menina começou a ter tonturas. Foi transportada de helicóptero para um hospital no Texas. Não se salvou. Causas da morte? A menor (palavra seca, árida…) “não tinha comido nem bebido água durante vários dias”…
- Os refugiados sabem de cor as estações da via sacra!
Como se mede este sofrimento? A dor é mensurável? Qual é a pior? Os pobres que querem do lado de lá do muro, são seres demasiado frágeis; dignos de compaixão, descarnados deslocam-se, ruminam sonhos que perderam; aprenderam que há que ter muito medo de certos homens…
Um calvário? As trevas perseguem-nos? O céu ouve-os e deixa-os, dignos de dó, mortos de cansaço, desistentes? Nasceram para servir? Nos acampamentos, estão sujos, cobertos de piolhos, de bichos, de feridas… São males que remoinham nos ares em voltas e revoltas loucas. Filhos de deuses menores contaminam tudo? São anjos condenados?
Assusta a cólera, o pesadelo do ódio que ora peregrina pelo mundo. Quem vem explicar o mistério? Não há limites para o que um homem pode suportar. Aprende-se que há sempre um inferno pior…
A solidariedade aposentou-se? A mentira anda por aí, em liberdade, a avolumar-se… E todavia, ninguém pode roubar, adulterar o que guardamos no pensamento… Isto, temos ainda!
Vivemos, é certo, entre muita indiferença e irresponsabili-dade. Múltiplas frustrações desaguam em narcisismos, entre gente rica, arrogante e paupérrima em bem-querer…
O presidente quer o muro. E armas ao dispor. Elegeram-no. Será que vai edificar mais um muro da vergonha, um muro que o envergonha bem como aos apoiantes construtores?
- Olá Principezinhos! Olá Jacqueline…
Refugiados é uma palavra muito triste. Fala de penas, de injustiça, de ira.... Quantas vozes serão necessárias para fazer ruir os muros que apartam, vedam, encobrem misérias?
Quem sabe, quando o dia ficar limpo, uma flor de tangerina, milagrosamente, não virá criar o fruto capaz de saciar sedes de água e de bem-querer... Ah! Ouçam os búzios a segredar a esperança ao ouvido de sonhadores de um mundo mais fraterno…

09/01/2019
 

Em Agenda

 
29/05 a 12/10
Castanheira Retrospetiva Centro de Cultura Contemporânea de Castelo Branco

Gala Troféu Gazeta Atletismo 2023

Castelo Branco nos Açores

Video